crítica

24 contos de F. Scott Fitzgerald traduzidos por Ruy Castro

Nesta seleção de contos do escritor norte-americano F. Scott Fitzgerald, Ruy Castro escolheu e traduziu aqueles que ele considera os melhores do autor. A coletânea faz parte da popular Coleção Listrada, publicada pela Companhia das Letras, e que traz os melhores contos, novelas, crônicas, ensaios e poemas de grandes nomes da Literatura Mundial. Cada uma delas é feita por um curador diferente e a escolha dos textos fica a cargo deste curador, que geralmente é um especialista ou um grande apreciador da obra do escritor em questão. Ruy Castro escreveu uma apresentação para essa antologia e ordenou os contos de acordo com a sua cronologia, permitindo ao leitor avaliar o crescimento de Fitzgerald como escritor e também as temáticas presentes em sua obra a cada época específica.

Neste conjunto de textos do autor, encontramos alguns temas em comum, que se repetem em muitos dos contos traduzidos por Ruy Castro. Estes temas variam entre o envelhecimento, com foco nas crises de meia-idade vivenciadas por seus personagens, o poder que o dinheiro exerce sobre o homem, a geração perdida, o alcoolismo, desentendimentos amorosos, o papel da mulher na sociedade, a discriminação e rivalidade vivenciada pelos americanos na Europa, o lado B de Paris e seus vícios e por fim o suicídio, que nos últimos contos da antologia passa a ser muito recorrente.

Para quem conhece um pouco da história do escritor, é perceptível as questões autobiográficas presentes em seus contos. Alguns exemplos disso estão nos temas muito presentes em suas histórias, que se repetem exaustivamente de formas diferentes, como o alcoolismo e suas consequências e o eterno mito de Sísifo vivido pelo homem, que é a sua busca constante e infindável pela felicidade. A questão do dinheiro também é bastante evidenciada em seus textos, pois, sabe-se que seu casamento com Zelda sofreu muitos abalos em consequência da diferença socioeconômica entre eles, principalmente no início da relação. Outro ponto em comum com a vida do escritor são as vivencias de seus personagens na Europa e os abusos cometidos nas festas e nas reuniões da alta sociedade, que viviam um vazio de sentido enorme e prezavam muito pelas aparências. Fato que dialoga diretamente com a situação da mulher na sociedade e a opressão sobre elas e suas escolhas de vida.

A ambientação das histórias se dá em grande parte nos Estados Unidos, algumas em Nova York, outras no Sul e no final da antologia, em Hollywood. Alguns contos se passam também na Europa, mostrando o hábito que os artistas norte-americanos tinham de passar temporadas por lá ou mesmo se mudarem de vez e criarem uma comunidade em Paris, principalmente. A geração perdida fica bem em evidência nessas histórias, com sua busca incessante por prazeres efêmeros e também no sentido de uma tentativa de redenção ou de mudança de vida, após a segunda queda da bolsa de valores, outro tema muito frequente nesses contos. Destacarei algumas histórias que me marcaram mais e que me fizeram pensar sobre o mundo atual e as nossas escolhas.

O conto O diamante do tamanho do Ritz, começa de forma despretensiosa, como se fosse apenas mais um lugar comum, porém, ele vai crescendo ao longo da prosa e propõe muitas reflexões pontuais e importantes para o ser humano. O enredo é um misto de fábula com realidade e conta a história de John, um rapaz do interior que vai para a faculdade e, nas férias de verão é convidado por um dos seus colegas a passar esse tempo em sua cidade. John aceita o convite e, logo de cara seu amigo começa a lhe contar sobre as riquezas de seu pai, algo que tanto para John quanto para o leitor parecem mentiras.

O problema é que o amigo não estava inventando nada e o seu pai era realmente biliardário, pois, seus antepassados encontraram uma mina subterrânea na divisa dos Estados Unidos com o Canadá e conseguiram mantê-la escondida por muitos anos. A vida que o leitor encontra nessa cidade fantástica é impressionante e surreal. É aí que está o pulo do gato: Fitzgerald trabalha através desse enredo temas como racismo, escravidão, subtração de impostos, corrupção, individualismo, egoísmo, a subversão de valores éticos e morais, os interesses individuais sobre questões sérias e tristes, a futilidade da vida de pessoas que vivem sob uma redoma, a falta de sentido da vida e ao mesmo tempo a sua banalização, a concatenação entre liberdade e independência econômica, diferenças de classes sociais, religião e suas hipocrisias e as vicissitudes da juventude, sua fugacidade. Conto espetacular, cheio de camadas e discussões interessantes.

No conto A coisa sensata, temos uma discussão sobre a vida de aparências e a importância que damos ao dinheiro. George O’Kelly é um homem que trabalha muito e ganha pouco em Nova York e está noivo de uma moça de sua cidade natal. O problema é que ela parece não gostar mais dele, demonstrando um certo fastio em estar ao seu lado e esperando de George sempre algo mais. Em um certo momento, ao se dar conta da inutilidade de tentar reconquistá-la, eles rompem o noivado e o rapaz volta à Nova York, recebendo uma oportunidade de trabalho irrecusável. Mas, mesmo com todas as glórias que o dinheiro pode lhe dar, ele ainda não se esqueceu da ex-noiva e esse é o mote do conto que vai trabalhar as nossas escolhas, junto à perda da inocência da juventude.

Em Amor à noite, temos a história de um Príncipe Russo, que está viajando com seus pais pela Europa e em Paris conhece uma garota americana, que acabou de se casar com um senhor muito mais velho que ela. Logo o jovem constata que se trata de seu primeiro amor, mas, eles não têm a menor chance de viverem essa aventura. Ao voltar para a Rússia, sua família se depara com os horrores da Revolução, perdendo assim todas as suas posses. Um tempo depois, acompanhamos a nova vida do jovem, cheia de necessidades, de trabalhos vulgares, sem pátria e sem dinheiro para nada. A grande discussão desse conto, que parece ser apenas uma história de amor é o fato de que a nossa vida pode mudar de uma hora para a outra, a fugacidade das nossas certezas. O conto é extremamente bem construído, com personagens cativantes e um final feliz.

O menino rico é um conto inspirado em um amigo do autor, onde ele vai tratar sobre temas universais e muito próximos ao leitor contemporâneo. Conhecemos Anson, um rapaz jovem, mimado, estudante de Yale, que não está acostumado a receber não como resposta e sempre conseguiu tudo o que quis da vida. Até conhecer Paula, aquela que seria o seu grande amor. O narrador até diz que “a vida de Anson realmente começou no momento em que ele conheceu Paula”. O enredo é simples, mas as vicissitudes da vida desse homem apresentam uma grandeza de temas e de abordagens muito extensa. Fitzgerald apresenta ao leitor neste conto alongado muitos assuntos que são comuns em sua obra: os privilégios e as diferenças de classes sociais; a dificuldade de enfrentamento das pessoas diante da dor e das abstrações da vida; o alcoolismo e suas consequências funestas no destino dos homens; a contumaz vida de aparências, que esvazia o sentido de tudo e transforma as pessoas em fantoches sociais, provocando um enorme distanciamento e uma constante solidão em meio à multidão e a fuga desse enfrentamento através do excesso de trabalho.

Lendo esse último parágrafo, parece que estou descrevendo uma pessoa do século XXI, porém, estamos falando de um homem que viveu há cem anos atrás. O início deste conto traz uma das afirmativas mais contundentes e provocativas do autor: “Quando ouço um homem dizer que é ‘um sujeito comum, honesto e franco’, já sei que ele tem alguma perversão terrível a esconder – e que sua afirmação de ser comum, honesto e franco é apenas uma forma de lembrar a si mesmo o próprio crime”. (FITZGERALD, 2004, pg. 126). Por esse trecho, já percebemos que o protagonista esconde algo em seu íntimo e que tem uma grande dificuldade de enfrentamento de seus demônios internos. Conto sensacional.

O conto Viagem ao estrangeiro vai nos levar para a Europa, junto a um casal americano, que acabou de ganhar uma bolada e está em busca da felicidade. Os dois acreditam que essa alegria constante está em viver momentos intensos, rodeados de pessoas, de bebidas, festas e eventos que duram o dia todo. Eles não aceitam ter um cotidiano, uma vida comum e assim, dia após dia, depois de cometerem seus excessos, eles resolvem mudar de cidade ou recomeçar, levando a vida mais a sério. Entretanto, mesmo depois de tentar de tudo e chegarem ao ápice com um filho e posteriormente, ficando gravemente doentes, ainda não compreendem o que há de errado em suas vidas.

Fitzgerald tem uma enorme capacidade em transformar temas banais, cotidianos e muito inerentes à pessoa humana em histórias potentes. E a partir destes faz reflexões sobre questões muito profundas e existenciais. Neste conto especificamente, ficamos o tempo todo nos questionando se é ruim ter uma rotina, se a vida é chata por fazermos todos os dias as mesmas coisas. Por outro lado, percebemos que a vida louca também não é um caminho para o sucesso e para a felicidade absoluta. E assim, percebemos que o homem vive esse impasse entre trabalhar duro, seguir as regras e viver com dignidade ou romper com todas as barreiras e arriscar uma vida sem limites, indo até às últimas consequências em busca de momentos fugazes de prazer. Neste conto, é possível perceber traços autobiográficos do autor, pois, ele e sua esposa Zelda viveram essa vida de aventuras e da busca pela felicidade, saindo dos Estados Unidos para a França, acreditando estar lá ou nas festas, nas bebidas e nos “amigos” as respostas para a falta de sentido da vida.

Se você, leitor, ainda busca por dias incríveis e extraordinários e acredita que se ganhasse uma grana, largaria o seu emprego para viver na esbórnia, viajando e curtindo a vida adoidado, é melhor ler antes o conto Babilônia Revisitada. O título desse conto já traz uma referência grandiosa sobre o tema, pois, a história de Charles não se passa na Babilônia, mas em Paris. Através de flashbacks e reflexões do seu passado recente, descobrimos as consequências da realização de um sonho muito antigo e muito comum a nós, seres humanos ainda nos dias atuais: ter dinheiro e não precisar mais trabalhar; viajar sem data para voltar e viver a vida intensamente todos os dias.

A grande discussão desse conto é o fato deste estilo de vida não se sustentar a longo prazo. É notório que nós, seres humanos, estamos sempre em busca de algo que nos surpreenda, nas palavras de Kafka, “que nos golpeiem e firam, que sejam como um martelo para quebrar o gelo em nós”, mas, de forma realista, isso não é possível. Até mesmo as coisas mais divertidas e legais, quando se tornam corriqueiras, perdem o seu brilho, deixam de ser especiais e passam a fazer parte do nosso dia a dia. Dessa forma, o indivíduo sai em busca de algo maior e é muito fácil que essa busca eterna termine no álcool, nas drogas, ou em qualquer outro tipo de vício que nos provoque prazer e êxtase constantes. A nossa busca nunca tem fim. Estamos sempre insatisfeitos com o que temos e geralmente, não damos valor ao que está em nossas mãos, até que percamos. Conto muito melancólico, extremamente bem ambientado e muito pungente naquilo que se propõe.

Assim, finalizo esta resenha com um trechinho do conto Os nadadores que mostra como é a vida compartilhada com pessoas vazias “Seu único trunfo é uma fanática obstinação; os meus são quarenta milhões de dólares. Deixe-me repetir, Marstom, que dinheiro é poder. Você ficou fora tanto tempo que talvez tenha se esquecido disso. O dinheiro fez este país, construiu suas grandes e gloriosas cidades, criou suas indústrias e cortou-o com uma rede de estradas de ferro. É o dinheiro que doma as forças da natureza, cria as máquinas. Elas funcionam quando o dinheiro quer e só param quando o dinheiro quer” (FITZGERALD, 2004, pág. 239). Esta citação é um paradoxo entre a opressão de viver em um país que respira dinheiro, mas que é a sua pátria. Que ao mesmo tempo em que tem diversas mazelas, é a sua casa e que você a ama demais. Fitzgerald mostra essas dicotomias do estilo de vida norte-americano o tempo todo em seus contos. Por isso, indico demais esse livro para vocês, porque somente lendo-o, somos capazes de mensurar o que é ser estadunidense. Ah, só para constar: o final do conto Os nadadores é sensacional!

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