crítica

24 horas na vida de uma mulher e outras novelas – Stefan Zweig

A coletânea de novelas 24 horas na vida de uma mulher e outras novelas (Nova Fronteira, 2018) é dividida em dois blocos, sendo o primeiro chamado “Novelas da Adolescência” e o segundo “Novelas de Sofrimento”. No primeiro bloco, estão algumas novelas escritas pelo autor em sua juventude, mostrando o seu talento para a literatura. No segundo bloco, temos as novelas de sua maturidade e que tratam sobre sentimentos humanos e tragédias. Essa coletânea foi elaborada pelo estudioso da obra de Stefan Zweig, Alberto Dinis, e foi uma escolha bem perspicaz, pois, o leitor pode comparar a evolução da escrita e do processo criativo do escritor, notando claramente a sua maturidade literária nas últimas novelas.

Zweig aborda temas que se repetem nas histórias, principalmente a solidão. A maioria das novelas da primeira parte gira em torno deste sentimento do personagem que o leva a uma situação insólita ou burlesca. A insegurança da puberdade também é uma das premissas dessas quatro narrativas curtas, mas bem desenvolvidas. Os dramas da infância e a confusão de sentimentos são levados às últimas consequências, fazendo com que o leitor compreenda o impacto de pequenas ações nas vidas desses jovens.

A escolha da novela que abre a coletânea foi um tanto infeliz. História narrada ao crepúsculo conta a saga de um garotinho de 12 anos se apaixonando pela primeira vez em um castelo medieval, em meio às florestas da Escócia. As descrições do autor são muito bonitas e sua escrita é bastante poética. Entretanto, a trama é enfadonha e extremamente longa. Para um primeiro contato com o autor, seria interessante escolher algo mais impactante e um pouco mais breve para que o leitor se acostume à prosa de Zweig.

Um dos destaques dessa novela é a forma como o autor descreve a inconveniência e a chatice de um adolescente em um meio de adultos. O personagem está o tempo todo deslocado e sem saber ao certo como se comportar. As reflexões que Zweig propõe aqui são profundas e nos fazem pensar sobre o nosso comportamento diante dos jovens de nossa família e de nossa convivência. Nos lembra de que todos um dia passamos por essa fase e que precisamos exercitar a nossa tolerância para com os outros.

Na segunda novela, A Governanta, o autor aborda a passagem da infância para a vida adulta, através de duas irmãs que descobrem um segredo importante. É interessante como Zweig conduz o leitor a um sentimento comum, porém, com muitas reflexões sobre mentiras, intolerância, noções de certo e errado e principalmente, até que ponto conseguimos proteger nossos filhos da vida adulta, em condições adversas e daquelas que nem tomamos conhecimento, apenas observamos as mudanças ocorrendo. Novela trágica e de uma profundidade muito grande.

A terceira novela dessa coletânea, Segredo ardente, é bastante insólita, mas muito legal. Zweig explora as facetas de uma criança de 12 anos, enciumada e cheia de dúvidas em relação à vida dos adultos e seus mistérios, levando o leitor ao êxtase e ao desespero para terminar logo a leitura. O enredo é muito psicológico, extremamente bem construído e o desenvolvimento do protagonista é uma das coisas mais bem escritas que já li. Essa não é a melhor novela da coletânea e nem das mais apreciadas pelo público, mas já mostra do que o autor é capaz.

Fechando as Novelas da Adolescência, Pequena novela de verão apresenta um protagonista fazendo uma confissão a um amigo. O fastio dos dias hospedado em um hotel, a falta do que fazer e o desejo de se divertir um pouco, o levam a brincar com uma jovem, escrevendo a ela cartas de amor. O desfecho é um tanto banal, mas mostra bem um dos aspectos da obra do autor que é o impacto de pequenas ações ou brincadeiras nas pessoas mais inexperientes.

Abrindo a segunda parte, Novelas de sofrimento, temos uma de suas mais famosas histórias, Amok“é mais que uma embriaguez… é a loucura, mais uma espécie de raiva humana, literalmente falando… uma crise de monotonia sanguinária e insensata, à qual nenhuma intoxicação alcóolica pode comparar-se”. Diante de tal definição para essa palavra, nota-se que é uma novela incômoda, desagradável e que gera no leitor sentimentos confusos, próximos à vergonha alheia ou ao repúdio. A capacidade do autor em provocar essas sensações sinestésicas no leitor é o ponto alto da obra de Stefan Zweig.

Em Amok conhecemos um homem que está viajando em um navio pela costa italiana. Ele encontra um médico no convés que lhe conta uma história totalmente desconfortável e insólita. O autor vai colocar alguns pontos nessa narrativa que causam raiva no seu interlocutor, tais como a xenofobia, a solidão, o machismo e as convenções sociais. Sem dar spoilers, pois vale muito a leitura desse texto, o médico em questão, que é alemão, está trabalhando como residente na China. Ele se sente desconfortável no local, não consegue interagir com os moradores da comunidade e os vê como inferiores.

Um dia, uma mulher o procura, pedindo-lhe um favor médico. Diante do desespero desta ele resolve tentar levar algum tipo de vantagem sexual sobre a dama. Ela se mantém firme e não aceita suas provocações, levando-o a esse estado chamado amok, que é um termo bastante comum entre os malaios. A história vai tomando um rumo trágico e logo compreendemos o que aconteceu com os dois e as consequências desse desatino. Muitas questões reflexivas estão contidas nessa prosa. É difícil ler essa novela e não parar e ficar pensando sobre o que aconteceu ali. Amok é uma das obras de Zweig indicadas no 1001 livros para ler antes de morrer.

Em Cartas de uma desconhecida, o autor vai nos mostrar o que é uma stalker do início do século XX. Uma mulher se apaixona pelo vizinho quando adolescente e passa a vigiar sua vida desde então. Ao perder o único filho, ela resolve contar sua história para esse homem, que sequer notou a sua presença constante. Sinistro, incômodo e com algumas passagens interessantes sobre a psique humana. Alguns dos enredos das novelas de Zweig são muito psicológicas. Naquele tempo, os estudos da mente estavam em alta e era bastante comum o uso desse recurso nas narrativas. Considerando que Freud, o maior nome da psicanálise na época era vienense, se tornou uma grande referência para os escritores austríacos do começo do século passado.

A Ruazinha ao luar pode ser considerado um conto. É uma história curta e instigante de um alemão que está viajando pela França. Em uma noite, ele escuta alguém cantando em alemão e tocado pelo som de seu idioma de origem, ele segue a voz. O que acontece a seguir são cenas do cotidiano de uma família disfuncional que o deixam chocado. Em um trecho, o narrador diz: “o horror que eu experimentara foi substituído por uma grande comoção, ao pensar na variedade dos destinos, e cheguei novamente à conclusão de que atrás de cada vidraça está um destino à espreita; cada porta se abre ante qualquer acontecimento humano; por toda parte está patente a diversidade do mundo, e mesmo no canto mais ignóbil pode existir uma pululação de vida intensa, da mesma maneira que sobre a podridão reluz o brilho dos escaravelhos”. Esse trecho simboliza o conto como um todo, uma reflexão sobre quem nós somos por trás das portas e janelas fechadas.

Em 24 horas na vida de uma mulher, que dá título à coletânea, conhecemos uma senhora sem nome, conhecida por Sra. C., que, motivada por um fato isolado no hotel em que está hospedada, resolve contar a sua história de 24 horas de desatino ao nosso narrador, que também é um hóspede do hotel. O enredo mais uma vez é bem psicológico e o autor nos leva a reflexão sobre os julgamentos que fazemos sobre as pessoas sem as conhecer plenamente, sem saber o que as levou a tomar determinadas decisões. Ele aborda a alma das mulheres do início do século XX de uma forma bastante humanizada e sem julgamentos.

Fechando essa antologia, na novela Confusão de sentimentos, conhecemos um professor que está recebendo uma homenagem de seus alunos através de uma biografia. Porém, a pessoa mais importante para que ele estivesse onde está no momento não aparece nesse livro. Dessa forma, ele resolve contar a história desse homem sofrido, marcante e infinitamente triste que fez parte de sua juventude e transformou sua vida. É uma novela sofrida, mas, como sempre, muito bem desenvolvida, com um enredo provocante e personagens instigantes, gerando reflexões no leitor.

Zweig foi um homem observador e muito proficiente. Escreveu histórias de sua época, mas que ainda são atuais. Para alguns críticos, seus textos são démodés e de mal gosto, pois, em nossa mente, muitas coisas mudaram e não agimos mais como antigamente. Porém, as histórias que ele deixou para a posteridade ainda reverberam nas nossas ações atuais e podem servir como discussões sobre o comportamento e a psique humana. Como é comum em antologias, não são todas as novelas que nos agradam. De algumas gostamos mais, de outras menos, mas fica uma certeza: nenhum texto contido nesse livro é ruim. Todos têm o seu valor, tanto estético, quanto em conteúdo. Foi uma boa porta de entrada para a obra do escritor.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *