crítica

4321 – Paul Auster

Demorei para conseguir elaborar tudo o que esse livro apresenta e me sentir capaz de escrever sobre ele. Porém, compreendo a leitura como um intertexto e uma eterna conversa com outras obras e assim, ontem, assistindo a um episódio da série “Por trás dos seus olhos”, uma personagem disse que “acreditamos que sempre teremos o controle sobre a nossa vida, mas muitas vezes, o nosso destino é definido pelas ações de outras pessoas”. Achei que esse seria o pontapé inicial para falar sobre 4321 (Cia das Letras, 2018), magistralmente escrito por Paul Auster.

Nascido em Newark, Nova Jérsei, o autor é casado atualmente com a escritora Siri Hustvedt, tem dois filhos e vive no Brooklyn. Seus romances contêm muito sobre a sua própria vida e suas experiências como cidadão norte-americano, além de thrillers, com histórias que se cruzam ou se encaixam umas nas outras. Auster diz que suas maiores influências literárias são Dostoievski, Hemingway, Fitzgerald, Faulkner, Kafka, Samuel Bekett e Proust. Para quem já leu esses escritores, é fácil percebê-los na escrita de Auster.

Em seu último romance, 4321, o autor escreve quatro romances dentro de um mesmo livro. A ideia é mostrar como as nossas decisões e ações impactam a vida de outras pessoas, além de dar não apenas uma chance, mas quatro chances do famoso “e se” para um personagem. O início da narrativa é comum para as quatro vidas de Ferguson – seu avô, um judeu que fugiu da Rússia chega aos Estados Unidos e refaz sua vida no país. O pai de Ferguson junto com seus irmãos abre uma casa de móveis e eletrodomésticos, que cresce a cada ano. Stanley Ferguson conhece Rose, uma fotógrafa em início de carreira que perdeu o noivo na guerra. Os dois se apaixonam, se casam e dessa união, nasce Archie, o nosso protagonista.

A partir de então, o livro é dividido entre as quatro possibilidades de vida para Archie. Todas elas são consequências diretas das decisões tomadas por seu pai Stanley. Em cada vida, ele lida com um mesmo problema de forma diferente, refletindo diretamente nas vidas de todos ao seu redor. Neste contexto, é importante observarmos que é necessário pensar bem no que fazemos, mesmo aquelas coisas que consideramos pequenas e simples, mas que podem mudar para sempre as nossas vidas. É a nossa responsabilidade para com os outros e a sociedade como um todo.

Não tenho como falar sobre cada uma das possibilidades de Archie para não dar spoilers do livro, que vale muito a pena ler. Então, vou me ater às reflexões geradas através dessa leitura, que provavelmente, representam a parte mais legal e mais importante de um livro como esse. Além dessa questão da responsabilidade sobre nossas ações, o romance aborda também as relações familiares, ausências, o excesso de trabalho, as lutas que escolhemos participar, nossas omissões, o papel do dinheiro na vida das pessoas, solidão, amor não correspondido, frustrações, luto e destino.

Essa questão do destino é bastante forte no romance porque em todas as vidas de Archie ele vai encontrar as mesmas pessoas, conviver com elas de formas diferentes, em cada situação, ele terá um grau maior ou menor de maturidade para lidar com as frustrações e com a ausência do pai, que está presente nas quatro vidas. Ou seja, ele nunca seria um garoto próximo do pai, talvez pelo fato deste ser uma pessoa mais reservada e em algumas vidas, até mesmo um homem frio.  A relação com a mãe é parecida nas quatro situações também. Ela é uma personagem muito interessante e coerente. E o filho é a pessoa mais importante de sua vida, sendo que ela não pode ter outros.

A caracterização dos personagens é muito rica, eles são todos bastante complexos e fica claro para o leitor que a essência daquelas pessoas está ali, nas quatro vidas. Elas reagem da forma que reagiriam naquelas situações, então há uma verossimilhança muito grande na obra e, tenho que admitir, não é fácil fazer isso. Escrever quatro histórias super parecidas, com enredos diferentes e manter os personagens coesos e coerentes o tempo todo. Auster realmente conseguiu criar uma obra monumental e que para mim já nasceu clássica.

Outro ponto muito bem explorado no texto são os movimentos pelos direitos civis, ocorridos nos Estados Unidos na década de 1960. Em alguns trechos, o leitor se sente vivendo aquelas experiências. É claro que o escritor viu tudo isso acontecer, mas colocar suas vivências no papel não é tarefa para qualquer um. O que ele faz nesse livro é quase uma imersão do leitor em uma fase da história norte-americana, como se estivéssemos vivendo mesmo os protestos, a morte de Martin Lutter King, de Malcon X, de JFK…. Esse é um assunto muito atraente para mim, então, o livro me levou para um lugar perfeito.

Os grandes mestres da literatura se consolidaram por fazer exatamente o que Auster faz em 4321: imersão na leitura, através de uma prosa fluida, com linguagem acessível, cheia de referências literárias e históricas, além de questionar muitos pontos incômodos para nós leitores. Eles nos fazem pensar e refletir sobre o mundo em que vivemos e o mundo em que queremos viver e deixar para os nossos filhos. Esse foi o meu primeiro contato com o autor e já me apaixonei por sua escrita, por sua narrativa e pelos assuntos que ele traz em sua literatura. Mais um queridinho do pós-modernismo para ler e reler muitas vezes.

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