crítica

A época da inocência – Edith Wharton

Pense em uma mistura de Jane Austen e Scott Fitzgerald, um romance no estilo do Grande Gatsby e com uma pitada de ironia a lá Orgulho e Preconceito. Esta é a vibe desse livraço da escritora norte-americana Edith Wharton, A época da inocência (Penguim, 2013). Preocupada com as questões que envolviam os direitos da mulher no início do século XX na antiga Nova York, a autora denuncia através deste romance as diferenças de gênero e o rigor de regras baseadas em uma hipocrisia que definia a vida das pessoas da alta sociedade nova yorkina.

Edith Wharton nasceu em Nova York no ano de 1862, em meio à Guerra Civil norte-americana. Filha de um casal formado por ancestrais holandeses e ingleses, acumularam riquezas através do comércio, da magistratura e dos bancos. Esse padrão constitui o topo da pirâmide social da velha Nova York, sociedade conservadora, que cultivava preceitos éticos e morais muito rígidos, não aceitavam estrangeiros em seu meio social e ditavam as regras de conduta de todas as pessoas pertencentes a esse grupo.

Mesmo que para tanto fosse necessário fingir, mentir, enganar e ser infeliz o tempo todo, a burguesia nova yorkina aceitava tacitamente essas regras e as seguia sem maiores questionamentos, simplesmente aceitando o seu destino. Para as mulheres da época só havia um futuro possível: o casamento com um homem escolhido à dedo pela família, mantendo assim o padrão socioeconômico e racial daquela sociedade fechada. A própria escritora sofreu com esses padrões sociais, pois quando demonstrou o desejo de escrever contos e romances foi desencorajada por seus pais e até mesmo censurada por sua família e amigos, porque afinal, escrever era uma profissão para vadios e mulheres excêntricas, o que não era o caso de Edith.

Mas, felizmente ela não deu ouvidos a essas balelas e escreveu muito. Diversos romances, contos, ensaios e textos denunciando um estilo de vida que a sufocava, como a muitas outras mulheres de seu tempo. Em 1905, o seu livro A casa da alegria chamou a atenção dos críticos, consagrando-a como uma proeminente escritora norte-americana, entretanto, ela se sentia dividida entre o papel de esposa e mãe e sua vocação literária. Pode ser que essas questões tenham influenciado diretamente na sua saúde, pois logo após o sucesso de seu livro, mudou-se com a família para a França e a Itália, recuperando a saúde. Em 1921, A época da inocência recebeu o Prêmio Pulitzer, o que “para uma garota nascida em uma sociedade onde não se ouvia falar em mulheres escritoras, apenas o fato de ela ter seguido a carreira literária já era, por si só, um feito notável de coragem e determinação” (GLEESON-WHITE, J. 2010, pg. 156)

No romance A época da inocência, há um triângulo amoroso, formado por Newland Archer, May Welland e Ellen Olenska. Newland é um rapaz jovem, advogado, filho de uma família tradicional de Nova York, bastante inexperiente em todos os sentidos e que, pressionado por sua família e pelos Welland, anuncia o seu noivado com May no mesmo dia em que a prima dela, Ellen, apareceu na Ópera depois de muitos anos vivendo na França. Até aquele momento, Newland não tinha dúvidas sobre o seu casamento com May. Ela parecia a esposa perfeita: educada para ser mãe, um tanto quanto bobinha, sem expressão, guardava consigo apenas os valores cristãos e de uma boa dona de casa.

Entretanto, ao se aproximar de Ellen, a pedido da própria noiva, ele começa a descobrir um outro mundo, o qual ele desconhecia. Ellen perdeu os pais bem cedo, sendo criada por uma das tias e pela avó. Essa tia era uma mulher à frente de seu tempo e não se importava tanto com as regras de conduta sociais impostas pela velha Nova York. Dessa forma, ela viajava com a sobrinha para o exterior, sem a companhia de um homem, comprava para Ellen roupas exóticas e a educou para ser livre. Não demorou muito para que os comentários jocosos e maldosos levassem Ellen a se casar com um homem muito mais velho que ela, mas também muito rico e mudar-se definitivamente para a França.

Infelizmente, o casamento dela com o Conde Francês não deu certo e sentindo-se intimidada e infeliz, traída pelo marido, Ellen entra em contato com a avó e pede para retornar à Nova York. O problema é que ninguém da família, exceto a avó, a queriam por perto. Mesmo sabendo sobre os problemas que Ellen teve com o marido, as parentas a orientavam e praticamente a forçavam a reatar o casamento com um homem agressivo, violento e adúltero, pelo simples fato de que “as pessoas estavam comentando sobre a indecência de uma mulher separada na cidade”. Na verdade, a grande distração da burguesia nova yorkina era a maledicência.

Os homens não perdiam a oportunidade de cortejar uma mulher, que na opinião deles era “fácil” ou “da vida” porque não tinha um marido ou estava tentando se divorciar. Fato que as mulheres, suas esposas e filhas fingiam não perceber, afinal, “os homens precisam desses subterfúgios para dar conta do casamento”. E, as damas da sociedade de Nova York passavam o dia falando mal umas das outras e fazendo conjecturas sobre a vida alheia. Sua ocupação girava em torno de fazer visitas de cortesia, ir à modista, tomar chá com as amigas e planejar jantares e festas suntuosas, que visavam apenas a superficialidade de comparar o último jantar oferecido ao próximo, que deveria por obrigação ser melhor que o anterior.

Em meio a todo esse vazio de sentido da vida dessas pessoas, tinham aqueles que não vinham de uma família nobre, mas que tinham bastante dinheiro e por isso eram “tolerados” por essas famílias tão tradicionais. E nestes casos, a fofoca rolava solta, a maledicência imperava nos diálogos fúteis dessas pessoas. O que acontece e o que o leitor acompanha durante todo o enredo do livro é que Newland acorda desse torpor e começa a questionar os valores cultivados na velha Nova York. Ao se aproximar de Ellen, com a missão de dissuadi-la da ideia de um divórcio, ele sente compaixão por ela e termina por se colocar contra a família de May, criando uma situação desconfortável para todos.

Ao perceberem que esse sentimento de compaixão de Newland estava se transformando em paixão, a solução encontrada pela família Welland foi apressar o casamento de May e Newland, acreditando piamente que dessa forma os sentimentos escusos do rapaz se dissipariam como fumaça no céu. Ora, ledo engano! Neste ponto, o rapaz já havia aberto os olhos para as hipocrisias dessa sociedade e já questionava inclusive o seu papel figurativo no escritório de advocacia, já que, de acordo com os princípios de sua família, ter ambições profissionais era algo de mau gosto, próprio para pessoas pobres mesmo. Então, Newland questionava o tempo todo qual o sentido da vida.

May por sua vez, continuava fazendo-se de plena, torando-se uma personagem chata, desagradável, boba, mas principalmente dissimulada, como a maioria que a cercava. A infelicidade de Newland, e até mesmo de May e de Ellen constitui o enredo de A época da inocência. Pode-se fazer uma leitura desse título como uma ironia à perda dessa inocência cega, que leva as pessoas a viverem uma vida de mentiras, engodos e falsidades, que levam apenas à infelicidade.

Não esperem grandes acontecimentos e nem grandes revelações neste livro. Mas sim, muita ironia, uma ambientação sufocante que reflete o interior dos personagens, uma áurea de infelicidade e muitas armações com a finalidade de manter uma aparência de superioridade. Não se assuste também, leitor, se você identificar a nossa sociedade atual neste livro escrito no ano de 1921, exatamente há 100 anos atrás, o que mostra que não mudamos nada! Somos os mesmos, preocupados com as aparências com as futilidades da vida. Vale muito a reflexão e a leitura que é simplesmente 5 estrelas!

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