É engraçado como as nossas leituras mudam de um semestre para o outro. Na última atualização dos 1001 livros para ler antes de morrer, tinham muitos romances do século XIX, muitos vitorianos e alguns do Brasil. Dessa vez, há uma predominância em livros publicados na primeira metade do século XX e essa minha preferência por textos sobre o início do século passado vem crescendo muito. Isso se deve ao grande interesse que tenho pelas guerras mundiais e pelo entre guerras. Também não é segredo para ninguém que gosto muito do movimento modernista e então, eles aparecem bastante por aqui. E na verdade, acho que muitas coisas excelentes foram publicadas no século passado como Faulkner, Milan Kundera, Kafka, Proust, Joyce, Beauvoir, Edith Wharton, Fitzgerald, Zweig, Thomas Mann… são muitos escritores que gosto e que viveram nessa época. Talvez por isso, temos uma lista recheada de autores modernos e pós-modernos por aqui. Vamos a eles!
- Os miseráveis – Victor Hugo (Martin Claret, 2014): Clássico do romantismo, acompanhamos aqui a história de Jean Valjean, um homem que foi preso por roubar um pedaço de pão. Sua jornada épica é composta por desafios, fugas homéricas, encontros e desencontros, pessoas ardilosas e outras muito boas, além de convidar o leitor a uma reflexão sobre as condições de vida dos miseráveis, daqueles que são esquecidos pelo governo e necessitam de tudo. Com direito a uma passadinha pela batalha de Waterloo e um passeio guiado pelos esgotos de Paris, Os miseráveis é um clássico que deve ser lido por todos, pois nos emociona, nos revolta e nos faz pensar. Favorito da vida!
- A casa da alegria – Edith Wharton (José Olympio, 2021): Clássico do realismo, onde a autora desenvolve a ideia do determinismo ao mesmo tempo em que questiona o lugar da mulher na sociedade, acompanhamos a história triste de Lily Bart, uma protagonista que precisa se casar urgente a fim de manter o seu padrão de vida. Ao mesmo tempo em que precisa desse casamento, ela descarta e afasta todos os pretendentes por não gostar deles e por ter um pensamento à frente do seu tempo. Através de um enredo simples, a autora consegue discutir temas profundos e muito importantes para a atualidade. Outro favorito da vida!
- A época da inocência – Edith Wharton (Penguim, 2013): Outro clássico do realismo, da mesma autora do livro anterior, Wharton discute os costumes acachapantes da alta sociedade norte-americana, que é excludente, misógina, machista e patriarcal. A partir de um triângulo amoroso, a autora constrói personagens que se aproximam da realidade e através do protagonista Newland ela mostra a quebra de paradigmas e as dificuldades que uma pessoa tem em se desvencilhar de seu destino pré-traçado por sua família. Esse livro é um misto de Jane Austen e F. Scott Fitzgerald. Livraço importantíssimo para pensarmos o nosso estilo de vida e as heranças culturais e sociais que carregamos ao longo do tempo.
- Um retrato do artista quando jovem – James Joyce (Autêntica, 2017): Um dos grandes marcos do modernismo, conta a história de Stephen Dedalus, um jovem que resolve romper com os padrões rígidos de sua família para viver de sua arte e praticar o seu ofício sem as interferências culturais de seu país natal. Ambientado na Irlanda, com muitas referências à história e cultura do país, Joyce quebra os paradigmas da escrita convencional, mesclando um romance de formação com as técnicas do modernismo e contando essa trajetória de um personagem através do fluxo de consciência. Profundo e sensível, é um livro interessante, mas que exige um certo conhecimento sobre a história da Irlanda para ser compreendido em sua totalidade.
- O processo – Franz Kafka (Antofágica, 2021): Romance experimental e inacabado do escritor tcheco que conta a história do Sr. K, um homem que está sendo acusado de um crime que diz não ter cometido. O leitor acompanha a saga desse cidadão em tentar provar sua inocência, além de suas tentativas em descobrir a infração pela qual ele está sendo acusado. É um livro cheio de camadas e com muitas possibilidades de interpretação. A ambientação desse romance é um show à parte: o leitor se sente sufocado e incomodado através das descrições do autor e das localizações onde ele coloca os personagens. Complexo e profundo, O processo é um livro que nos faz pensar sobre autoritarismo, burocracia, dominação, existencialismo e muitas outras coisas.
- Adeus às armas – Ernest Hemingway (Bertrand, 2013): Romance que se passa durante a Primeira Guerra Mundial e conta a história de um casal formado por Frederic, um voluntário norte-americano e uma enfermeira italiana, Catherine. Os dois se apaixonam quando o protagonista é ferido em uma batalha e a moça cuida dele. Pouco depois de se recuperar, Frederic resolve desertar do exército italiano, provocando um sério problema para o casal. A discussão desse romance está justamente no valor que damos à vida e às pequenas coisas presentes nela. Característico do autor, há muitas cenas de comidas, de passeios e de momentos de fruição em meio à guerra, fazendo esse contraponto entre uma situação horrível e os momentos rotineiros que muitos de nós temos à nossa disposição e não lhes damos o devido valor. Apesar da chatice de Catherine, é um bom livro.
- Absalão, Absalão! – William Faulkner (Cia das Letras, 2020): Clássico do modernismo, acompanhamos a história de Thomas Sutpen, um self-made-man que veio da miséria e construiu um império no condado fictício de Yoknapatawpha. É mais uma representação literária do diabo na terra, mostrando através de quatro narradores que conheceram Sutpen do que o homem é capaz para alcançar os seus objetivos. É um livro que vai discutir os temas mais caros ao autor: racismo, dramas familiares, decadência de uma família e críticas contundentes aos costumes sulistas e às atrocidades que praticavam no tempo da escravidão. Faulkner também faz uma alegoria através desse personagem sobre o sul dos Estados Unidos e a sua podridão. Livraço importante para compreendermos o pensamento sulista norte-americano.
- O deserto dos tártaros – Dino Buzatti (Nova Fronteira, 2021): Clássico do século XX, considerado a obra-prima do escritor italiano, acompanhamos a história do tenente Giovanni Drogo, um homem jovem que é convocado para trabalhar em um forte, onde sua missão é esperar o ataque dos tártaros. Ao tomar posse do cargo, é avisado pelos colegas de que os tártaros nunca chegaram e nunca vão chegar. Mesmo desejando sair do forte, ele permanece ali, fazendo uma alegoria com a nossa famosa zona de conforto. É um livro que fala sobre a vida, sobre as nossas escolhas e sobre as consequências de não agirmos a tempo de mudar e de transformar a nossa vida em algo melhor, mais produtivo ou mesmo mais feliz. Apesar da premissa muito interessante, da escrita bonita e de alguns trechos impactantes, esse livro não foi dos meus favoritos. Não ficou ecoando em mim após a leitura.
- Os Mandarins – Simone de Beauvoir (Nova Fronteira, 2017): Obra-prima da Simone, conta a história de dois casais franceses que estão enfrentando o pós-guerra. O livro mostra as dificuldades das pessoas em retomarem suas vidas após os horrores da guerra, além de abordar também o auge do socialismo na URSS e a divisão entre os jornalistas e intelectuais em fazerem uma escolha política coerente, sem trair os seus ideais e sem apoiar as atrocidades praticadas nos Goulags soviéticos. É um livro filosófico, com diálogos muito interessantes, que discute a vida comum em um cenário conturbado e nos mostra diversos lados de uma mesma história. Simone maravilhosa não deixou a desejar nesse livraço, que se tornou um favorito da vida para mim.
- Crônica da casa assassinada – Lúcio Cardoso (Cia das Letras, 2020): Clássico brasileiro, conta a história da família Meneses, formada pelos irmãos Demétrio, Valdo e Timóteo. A família está passando por uma fase de decadência quando Valdo se casa com Nina e a leva para morar na chácara. Sua chegada revoluciona a vida provinciana e tediosa que os personagens levavam até então. Mesclando o drama familiar, a decadência da aristocracia brasileira e uma ambientação fantasmagórica, o autor através de uma polifonia muito mal feita conta a história de Nina, sem a sua própria voz, mostrando-a através do olhar preconceituoso dos outros, fazendo assim uma crítica social. É uma história interessante, mas em minha opinião, mal executada. Ainda assim, recomendo a leitura.
- A hora da estrela – Clarice Lispector (Rocco, 2020): Um dos romances mais famosos de Clarice, conta a história de Macabéia, uma mulher simples, que veio do Nordeste para o Rio de Janeiro tentar uma vida melhor. Entretanto, ela não consegue se adaptar à cidade grande e se envolve com um homem duvidoso, que lhe provoca muita dor e muito sofrimento. É a história de uma mulher calada, apagada e contada através de um narrador tendencioso, do qual devemos duvidar. Livro maravilhoso, que nos faz pensar sobre o Brasil, sobre as nossas diferenças sociais, sobre o preconceito e sobre nós como indivíduos agentes no mundo.
- A insustentável leveza do ser – Milan Kundera (Cia das Letras, 2017): Livro ensaio do escritor tcheco, conta a história de dois casais nada convencionais, através dos quais o autor vai discutir a ideia da lei do eterno retorno proposta por Nietzsche. Ao longo da narrativa, Kundera faz um contraponto entre o peso e a leveza da vida, das nossas escolhas e das suas consequências. Além de acrescentar mais uma camada que é aquilo que esperam de nós, as máscaras sociais, o kitsch. Livro sensacional que recomendo para todo mundo.
- O leitor – Bernard Schlink (Record, 2015): Livro alemão, que conta a história de Michel, um homem que recorda um amor do passado ao reencontrar sua ex, Hanna em um tribunal de julgamento de crimes cometidos durante o regime nazista. É uma obra que discute o perdão, culpa, piedade, além de abordar a banalidade do mal. Foi um livro surpreendente para mim, apesar de já ter assistido ao filme antes. Gostei da escrita do autor e dos temas abordados. Recomendo demais essa leitura.
- A festa do bode – Mario Vargas Llosa (Alfaguara, 2011): Romance histórico que conta a trajetória do ditador Rafael Trujillo, que governou a República Dominicana por 31 anos. Narrado através de três vozes distintas, o autor mostra além dos conchavos políticos, os efeitos da ditadura na vida dos cidadãos comuns e a emboscada feita para matar o Bode, digo, Trujillo. Livro incrível, muito bem escrito e com um trabalho excelente de pesquisa do escritor.
- De amor e trevas – Amós Oz (Cia das Letras, 2005): Livro de memórias do escritor israelense, conta a história de seus avós, judeus refugiados do Holocausto, pioneiros na tomada de Israel e de seus pais, com foco em sua mãe, que se suicidou após uma crise depressiva. Os conflitos israelo-palestinos estão presentes na obra como fundo histórico, até porque, não tem como desvincular as memórias de Oz desse conflito do qual ele foi testemunha. Obviamente, o autor dá o ponto de vista de um israelense, mostrando como ele foi hostilizado pelos árabes palestinos durante a sua infância, antes da fundação do Estado de Israel. O romance termina com a morte de sua mãe e a saída do escritor de casa, quando foi viver em um kibutz. Apesar de ter essa linha temporal, ele vai e volta no passado, contando também flashes do futuro e de sua vida atual, quando da escrita do livro. Foi uma das coisas mais bonitas que já li na vida e das mais tristes também. Apesar de Oz ser israelense e defender o Estado de Israel, não deixo de respeitá-lo como escritor e de compreender até certo ponto a sua visão sobre os conflitos do Oriente Médio. Afinal, ele participou de tudo isso e pode dizer qualquer coisa com mais propriedade que eu, que nunca estive lá. Recomendo demais esse livro, que se tornou também um grande favorito da vida para mim.