crítica

A ridícula ideia de nunca mais te ver – Rosa Montero

Falar sobre a morte, a perda de entes queridos não é algo fácil e menos ainda simples. O assunto é tratado nas culturas ocidentais como um tabu – apesar de sabermos que vai acontecer com todos nós, preferimos guardar esse tema dentro de uma caixinha, que fica dentro de outra caixinha, como Matrioskas, até que seja impossível não falar ou enfrentar o assunto.

Acho que o livro de Rosa Montero, A ridícula ideia de nunca mais te ver (Todavia, 2020), é uma forma de enfrentamento. A autora, a partir de uma vivência, elabora seus sentimentos diante dos diários da cientista Marie Curie, que passou por uma situação parecida de luto, perda e dor. As duas compartilham as dificuldades em compreender a morte de seus companheiros, em séculos diferentes, em momentos diferentes, porém, os sentimentos são os mesmos.

Uma das grandes características da Literatura, principalmente, a literatura não-ficcional (diários, memórias, ensaios e testemunho) é o fato de conseguirmos processar nossos sentimentos, vivências e reações a partir do texto do outro, dos sentimentos dos outros, mostrando-nos que somos os mesmos e que tudo o que achamos bizarro falar ou pensar, é algo universal, compartilhado por mais pessoas que imaginamos.

Por isso, podemos considerar o livro de Rosa Montero um grande ensaio sobre a morte e como lidamos com ela. A negação, a raiva, o remorso, o desejo de ter mais tempo com a pessoa, as ausências, o vazio de sentido, a sensação de que falta alguma coisa, a paralisia diante do ocorrido e principalmente, o luto tratado como doença, uma patologia da qual devemos no libertar o mais rápido possível. Na página 26, a autora aborda essa questão com muita propriedade sobre a forma como a sociedade exige que a pessoa enlutada se comporte: chore muito no velório, fique triste por sete dias, depois, supere isso, é vida que segue.

Ora, muitas pessoas não conseguem chorar no momento da perda e a sua reação é tardia. Meu pai faleceu quando eu tinha 18 anos. Nós tínhamos inúmeros problemas de relacionamento que não foram resolvidos durante a sua vida. Quando tudo aconteceu – o que não foi surpresa para mim, pois ele já estava bastante debilitado – eu fiquei em choque. Não conseguia acreditar que tinha realmente acontecido. Por dias a fio esperei que ele voltasse para casa e que pudéssemos conversar e recomeçar nossa relação parental. Entretanto, depois que processei essa “ridícula ideia de nunca mais vê-lo”, meu luto realmente começou. E neste momento, as pessoas esperavam que eu estivesse plena e seguindo em frente. Isso sem contar os tantos julgamentos aos quais eu fui exposta por estar calma no velório ou por ter deixado que ele fosse sem nos entendermos.

Relatei esse fato de minha vida pessoal para ilustrar o quanto o ensaio de Rosa Montero conversa com as pessoas que já vivenciaram situações parecidas ou que ainda irão vivenciá-las. A morte deveria ser algo natural, ou ao menos mais falada do que é. Afinal de contas ela é a nossa única certeza na vida. Quando alguém próximo de nós vai embora, principalmente quando a morte é inesperada, é inevitável não refletirmos sobre a nossa própria vida. Nossas escolhas, como estamos levando a nossa vida, o tempo perdido e o tempo aproveitado. Todas essas imagens nos veem à mente nestes momentos. É hora de mudar, de jogar fora aquilo que não queremos mais e buscar o que faz sentido para nós. E uma outra certeza se faz presente: nossa vida é agora.

As reflexões de Rosa Monteiro nesse livro bem-humorado, crítico, feminista, ensaísta e cheio de referências literárias nos faz repensar a vida que queremos ter e também nos ajuda a mimetizar a morte de alguém próximo a nós ou mesmo compreender que por mais que o tempo passe, os sentimentos humanos são os mesmos. Saímos dessa leitura sabendo um pouco mais sobre a vida de Marie Curie, por um ponto de vista mais íntimo. Também aprendemos a não julgar as atitudes das pessoas em situações insólitas, sendo que nós mesmos agiríamos da mesma forma estando no mesmo lugar que elas.

Aprendemos também a nos tornar mais empáticos em relação àqueles que estão a nossa volta. Aprendemos a observar o mundo com mais precisão, reparando nas coincidências felizes que a vida nos mostra todos os dias. Mas, principalmente, aprendemos a procurar viver o presente com mais respeito, com mais vontade e mais ênfase. Pois quando as nossas pessoas favoritas da vida partem desse mundo, o que nos resta são as lembranças dos momentos felizes e também dos tristes que vivemos com elas. E quando não temos nem isso para nos confortar, fica ainda mais cruel vivenciar o luto.

Dedico essa resenha a meu querido sogro Humberto José Yaly Jr., que nos deixou no dia 06/07/2021. Por onze anos, ele foi como um pai para mim. Aprendi com ele valores e afetos que nunca vou me esquecer. Tenho a ele e também à minha sogra, Dora, uma imensa gratidão por todo o amor que sempre dedicaram a mim e principalmente à minha filha Duda, que vivenciou momentos impagáveis com os dois. Graças a Deus, tenho muitas lembranças bonitas de nossa convivência – sempre vou me lembrar do tanto que ele gostava das bordas das pizzas e pegava a de todos da mesa que as descartavam. Vários Chopp’s Black compartilhados no Bráz para comemorar os aniversários da família. As idas à capital, a “São Paulo” que ele me apresentou, seus lugares favoritos, os lanches e restaurantes mais legais e o famoso pão de linguiça do Bexiga. As paradas no Frango Assado para comprar o pão que eu amava, os vinhos que ele escolhia para me presentear, o quanto ele me zoava quando eu pedia minha carne beeeem passada, sua risada divertida e irônica em tantas situações compartilhadas, as festas de Natal e tantos outros momentos inesquecíveis ao seu lado. Nunca mais serei capaz de escutar uma música dos Beatles sem me lembrar dele, assim como, a São Paulo que conheço hoje sempre terá uma nostalgia boa de uma pessoa muito importante em minha vida.

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