Há alguns dias, estava eu conversando com minha amiga Ju Marins sobre avaliação de leituras e principalmente, sobre o medo que temos de ler o segundo livro de um autor que nos deixou tão empolgadas por uma de suas obras. No caso da Ju, ela se referia o Coetzee, escritor sul-africano, ganhador do Nobel de Literatura em 2003 e que escreveu o famoso Desonra. Para ela, o livro foi espetacular, já para mim, foi bom, porém, com algumas ressalvas. Através dessa conversa, já fica muito claro que literatura não é consenso e que nossas motivações para dar cinco estrelas a um livro são totalmente subjetivas.
Depois dessa troca com a Ju, fiquei refletindo sobre os meus critérios para dar cinco estrelas a um livro e principalmente para favorita-lo. Também pensei sobre quais são os meus escritores cinco estrelas, aqueles dos quais li mais de 3 livros e que dei 5 estrelas para no mínimo 3 deles. Observei também que da mesma forma que temos medo de ler a segunda obra de um escritor querido pelo primeiro, muitas vezes, quando temos uma experiência ok com um livro, o próximo daquele autor pode nos surpreender e nos fazer querer ler cada vez mais textos de sua autoria. Então, a fórmula é se arriscar e ver no que vai dar.
O objetivo desse post é continuar a conversa que tive com a Ju e ampliá-la para mais pessoas, a fim de compreendermos os nossos critérios para classificar as obras e criar o nosso próprio cânone literário. Vou começar dizendo quais as minhas expectativas quando abro um livro para ler e como avalio cada um deles, seguindo uma ordem de regras para dar as estrelas e o tão desejado coraçãozinho.
- Enredo: acredito que para qualquer leitor, mas ao menos para mim, se um livro não tem um bom enredo, dificilmente ele será finalizado. Eu não tenho problemas em ler obras com enredos psicológicos e até gosto muito delas, mas, ainda assim, o texto tem de ser interessante. O enredo tem um peso tão grande para mim, que já terminei livros chatos, enfadonhos e mal escritos para saber como termina a história. Assim como também me senti motivada a finalizar os gigantes desafiadores da literatura, tais como Grande sertão: veredas e Em busca do tempo perdido por terem um enredo instigante. Portanto, esse é o meu primeiro critério para avaliar um livro.
- Personagens: um bom livro precisa ter desenvolvimento de personagens. É muito ruim quando estamos lendo uma obra e o personagem continua obscuro para o leitor, ou então toma atitudes inexplicáveis, inverossímeis e sem sentido. Outro ponto incômodo em um texto, são personagens que não saem do lugar: começam e terminam a história sem uma transformação, uma mudança. Personagens rasos em qualquer obra estragam a experiência de leitura, sendo que o bom escritor é capaz de desenvolver bem os seus personagens em uma novela de menos de 100 páginas ou em um conto de 3.
- Estética: este é outro aspecto primordial para uma boa obra literária. A escrita do autor precisa ser fluida, mesmo que venha em forma de fluxo de consciência. Um bom autor precisa saber aquilo que quer comunicar e como vai fazer isso. Tanto aqueles que são verborrágicos quanto os que são extremamente econômicos e rasos desencantam o leitor. Um livro tem o seu tema central, como por exemplo, as relações humanas e, agregado de forma intrínseca a esse tema, há os transversais, que engrandecem o texto, tais como antissemitismo, desigualdades sociais, violência contra a mulher, etc. As discussões sobre esses temas devem ser cuidadosas e fazer parte da construção tanto dos personagens quanto do enredo. Caso contrário, é preferível que o autor escolha escrever um ensaio e não um livro de ficção.
- Temas transversais: no último FliAraxá, o escritor Jefferson Tenório disse algo incrível e que faz todo o sentido para mim: “o racismo não é um tema literário. Ele vai estar nos livros porque infelizmente faz parte do cotidiano das pessoas negras, mas ele jamais é um tema. Temas literários são as relações humanas, o amor, a amizade, a família”. Portanto, como comecei falando no tópico anterior, os temas sociais que são importantíssimos em uma obra, precisam estar incorporados no enredo e no caráter dos personagens, seja para o bem ou para o mal. A escolha dos temas também precisa ser elaborada para que não soe forçada ou mal desenvolvida. E geralmente, esses temas transversais, quando bem executados, impactam o leitor e garantem o coraçãozinho para o livro.
- Impacto: definitivamente, para mim, o que torna um livro favorito é o impacto que ele provoca em mim. Essa característica serve tanto para ficção como para a não-ficção. Acredito que lemos os livros para encontrar aqueles que vão mudar a nossa vida, ou a nossa percepção de mundo, que vai agregar algo em nós. Os livros que nos proporcionam mais reflexões, são os nossos prediletos e ganham o coraçãozinho. Porém, de todos os critérios, esse é o mais subjetivo. Ele depende da nossa bagagem pessoal, das nossas experiências e do nosso conhecimento prévio para provocar ou não esse impacto em nós. Não adianta o escritor tentar colocar tudo e mais um pouco em suas obras a fim de incomodar e chocar o leitor, se ele não comprar a sua história.
Apresentados os critérios para dar cinco estrelas a um livro, vou apresentar alguns exemplos tanto de decepções, quanto de autores que cresceram com o tempo e os cinco estrelas desde a minha primeira experiência com eles. Começando por alguns autores que li e favoritei o primeiro livro deles e o segundo não foi tão legal assim com a Buchi Emecheta e o seu maravilhoso As alegrias da maternidade, que me deixou fascinada e querendo ler tudo da autora. Porém, quando li Cidadã de Segunda Classe, não curti tanto assim e depois não li mais nada da autora com medo de não gostar. Outra escritora que continuo lendo com frequência, mas que para mim só tem um livro exemplar até o momento, é a Isabel Allende. Meu primeiro contato com ela foi através de A casa dos espíritos, que se tornou um livro da vida. Os outros são apenas ok perto dele. Por fim, cito mais uma escritora que é a Susan Sontag, que comecei a ler por Ao mesmo tempo e amei. Depois li a entrevista dela para Revista Rolling Stones e Sobre fotografia, mas não gostei tanto. Ainda não decidi se lhe darei mais uma chance, porém, ela é uma daquelas escritoras de quem eu queria muito gostar.
Indo na contramão dessas autoras, tiveram também aqueles com os quais eu tive uma primeira experiência ok com suas obras e, à medida em que fui lendo, passei a gostar cada vez mais. Começando essa categoria pelo Stefan Zweig, autor que comecei a ler pelas novelas disponíveis no Kindle Unlimited, 24 horas na vida de uma mulher. A coletânea foi bem irregular para mim, sendo algumas das novelas espetaculares e outras bem medianas. Na sequência, li Três novelas femininas, que foi uma das minhas melhores leituras do ano em que as li; depois veio Maria Antonieta que gostei bastante também e por fim, o perfeito sem defeitos Autobiografia: o mundo de ontem. Com Dostoiévski aconteceu a mesma coisa: comecei a ler Memórias do subsolo e abandonei a leitura. Depois, li uma porção de livros do autor e a cada leitura, gosto mais e mais dele. Turguêniev também não me conquistou logo na primeira experiência. E isso aconteceu pela minha falta de conhecimentos prévios sobre a literatura russa. Comecei por Pais e filhos e achei ok. Depois, ao ler outras obras do autor, já mais experiente e conhecendo melhor o contexto da Rússia, ele se tornou um dos meus escritores favoritos. Creio que li praticamente tudo o que foi publicado dele no Brasil. Falta apenas aquela que é considerada sua obra-prima, Memórias de um caçador.
Agora vamos falar daquilo que interessa, que são os escritores que nunca decepcionam, que são cinco estrelas. Pensei em vários, mas vou me ater a três exemplos. Depois compartilho a lista completa em um post simples do Instagram. A primeira autora que vou comentar aqui é a Toni Morrison. Comecei lendo a autora por O olho mais azul e fiquei embasbacada tanto com a narrativa, quanto com a forma, os personagens e a história em si. Pouco tempo depois, li Amada e a impressão foi a mesma. Finalmente, li também Sula, que não deixou nada a desejar aos outros dois que são mais famosos. Não consigo ler a autora sem lhe dar cinco estrelas. Outro escritor que me conquistou desde o primeiro livro foi Thomas Mann. Comecei lendo Doutor Fausto e simplesmente foi a minha melhor leitura do ano. Depois li Os Buddenbrook, que também ficou entre as melhores leituras do ano passado e, recentemente, li as novelas A morte em Veneza e Tonio Kröger, que também ganharam cinco estrelas. Não posso deixar de fora dessa lista um dos escritores mais prolixos da atualidade, que eu amo e que geralmente seus livros ganham cinco estrelas, que é o Stephen King. Comecei a ler o autor por Escuridão total sem estrelas, uma antologia com quatro novelas e amei. Depois li tantos livros do escritor, que se for citar todos aqui, vocês não lerão até o final. Mas, digo que A dança da morte é um dos meus livros favoritos da vida e mais um cinco estrelas do King.