vida de leitor

Balanço 50% de leituras 2022

Meio do ano e, como já é de praxe, a maioria dos canais literários respondem à famosa TAG dos 50%. Eu a acho bastante interessante, no sentido de avaliar nosso primeiro semestre de leituras e rever metas, desafios, continuações e até mesmo, o que mudou no nosso gosto em seis meses. Vejo muito em mim essas mudanças e a transformação por que passo a cada experiência literária que tenho. Mas, apesar de curtir a TAG, muitas questões feitas no questionário original não se encaixam nas minhas preferências literárias e nem na minha idade e por isso, resolvi seguir algumas perguntas originais da TAG e também criar outras categorias de reflexões que acho interessantes. Portanto, teremos aqui um balanço das minhas melhores leituras do primeiro semestre de 2022, seguidas de breve sinopse das obras e das motivações para cada uma dessas escolhas. Vamos a elas!

  • Melhor leitura até o momento: Banzeiro Òkòtó – Eliane Brum (Cia das Letras, 2021): Livro de sociologia que fala sobre a Amazônia, centro do mundo, com enfoque nas transformações que a floresta vem sofrendo ao longo dos anos, em degradação, destruição e invasão de povos hostis aos originários. Denúncias, reflexões, pontos de vista diversos compõem esse livro que tem como missão nos alertar sobre os perigos que corremos todos os dias em relação à degradação da natureza e aos crimes ambientais. Escolhi esse livro como minha melhor leitura porque ele me modificou de alguma maneira, me transformou e me humanizou. Além disso, me proporcionou diversas reflexões sobre a vida e sobre quem nós somos no coletivo. Já tem resenha para ele por aqui.
  • Melhor continuação: História da menina perdida – Elena Ferrante (Biblioteca Azul, 2017): Livro que fecha a Tetralogia Napolitana e com chave de ouro. Neste volume, acompanhamos as amigas Lila e Lenu na maturidade e na velhice. Muitas coisas acontecem na trama ao mesmo tempo em que a cidade de Nápoles se transforma, se modifica e o bairro das duas se degrada. A história desses personagens é fechada de forma espetacular, sem deixar nada de fora. Além disso, esse livro é muito bonito, muito bem escrito e mexeu comigo de uma forma única, me fazendo pensar que as coisas podem mudar, podem acontecer e que nunca devemos deixar de ser quem somos, além de nunca desistir dos nossos sonhos.
  • Lançamento do primeiro semestre não lido, mas que quero muito ler ainda esse ano: A velha Nova York – Edith Wharton (Unesp Editora, 2022): Antologia de quatro novelas da escritora que ganhou o meu coração esse ano, lançada nessa coleção incrível de Clássicos da Literatura da Editora Unesp. As expectativas para ele são altíssimas, afinal, já vi resenhas muito boas para ele e, os dois outros livros da autora que li me encantaram. Portanto, não espero nada mais que um livro espetacular.
  • Maior decepção: O deserto dos tártaros – Dino Buzatti (Nova Fronteira, 2021): Livro que conta a trajetória do tenente Giovanni Drogo, soldado jovem que é escalado para lutar em um front de guerra, onde nada acontece e que os dias se resumem à espera do ataque dos tártaros. Logo que chega ao local, é informado pelas pessoas que estão lá de que nada acontece por ali e que muitos estão esperando os tártaros há décadas. Mesmo assim, Drogo permanece nesse posto até o fim de sua vida. A ideia do autor é criar uma metáfora da vida, da zona de conforto e da nossa inércia diante das nossas vicissitudes. Porém, achei o texto arrastado e o livro não conseguiu me levar às reflexões pretendidas pelo escritor. Esperava muito e acabou sendo uma decepção.
  • Maior surpresa: O processo – Franz Kafka (Antofágica, 2021): Livro que conta a trajetória do Sr. Josef K., acusado de um crime que ele não sabe qual é em sua busca por respostas e por uma solução para a sua situação que se agrava a cada capítulo. O livro abre portas para diversas interpretações, podendo ser lido e relido diversas vezes sem se esgotar. Me surpreendi tanto com a ambientação sufocante e noir, além das diversas possibilidades de leitura da obra. Finalizei esse livro querendo ler tudo o que Kafka escreveu na vida. Já tem resenha para ele por aqui.
  • Nova obsessão literária: Edith Wharton: Peguei A época da inocência despretensiosamente para ler e adorei. Não conseguia largar o livro! Logo depois, participei de uma Leitura Coletiva de outro livro dela, A casa da alegria, que com certeza está entre as minhas melhores leituras do ano. Livro reflexivo e de final arrebatador, me deixou com uma ressaca literária de mais de uma semana. Ler Edith Wharton é um misto de Jane Austen e F. Scott Fitzgerald, em um texto leve, despretensioso, mas que fala muito com o leitor, que questiona muito a posição da mulher na sociedade, além de nos fazer pensar no estilo de vida que temos, de aparências e de não-vida. Quero ler tudo o que Wharton escreveu! Já tem resenha para A época da inocência por aqui.
  • Livros mais emocionantes: Os miseráveis – Victor Hugo (Martin Claret, 2014) e A casa da alegria – Edith Wharton (José Olympio, 2021): Depois de atravessar todas as digressões de Victor Hugo, acompanhar a Batalha de Waterloo, passar pelos esgotos de Paris, Os miseráveis nos proporciona também momentos inesquecíveis e muito tocantes. O livro da Fantine, os maus-tratos que Cosette passa nas mãos dos Thernardier, a saga de Jean Valjean e o desfecho de Gavroche e de Eponine são muito emocionantes, marcantes e deixam uma sensação de nó na garganta ao ler essas descrições. Os miseráveis é um romance inesquecível, com personagens muito bem construídos e um enredo de tirar o fôlego. Já A casa da alegria, com sua protagonista Lily Bart, emocionou os leitores neste ano com o seu final arrebatador e triste. Os dois romances nos fazem refletir muito sobre nós como sociedade e nas nossas corresponsabilidades em relação aos outros. Recomendo fortemente os dois livros.
  • Livro que me deixou feliz: Paris é uma festa – Ernest Hemingway (Bertrand, 2013): Livro de memórias do escritor estadunidense, onde acompanhamos o autor e seus amigos nos seus primeiros anos de Paris, com as dificuldades, as alegrias, as descobertas e tudo o que envolve a realização de nossos sonhos, mesmo que de forma difícil e desafiadora no início. Foi um livro que me deixou com um sorriso no rosto, com muita fome, com uma vontade muito grande de ir à Paris e também com muita garra para não desistir dos meus sonhos, pois, todas as pessoas que têm sucesso, começaram de algum lugar não muito longe de onde eu estou. Já tem resenha para ele por aqui.
  • Resenha favorita: O som e a fúria – William Faulkner (Cia das Letras, 2017): Esse foi o livro mais desafiador do ano e que se tornou uma das minhas melhores leituras também. Foi ótimo tê-lo lido em uma Leitura Coletiva, pois, pude compreender melhor o enredo e as referências que o autor faz nesse texto tão complexo e polifônico. A resenha dele ficou muito boa, sem spoilers, mas dando uma ideia de em quais aspectos o leitor deve se atentar ao ler esse clássico da Literatura Norte-americana.
  • Livro que preciso ler até o final do ano: O holocausto – Laurence Ress (Vestígio, 2020): Livro de história que conta como a Alemanha chegou ao holocausto, mostrando aspectos antropológicos, históricos, sociais e filosóficos para a maior compreensão dessa monstruosidade sem fim que teve início com a xenofobia e a culpabilização do outro pelos problemas econômicos e pelas mudanças que o mundo passava. Comecei a leitura, estava gostando muito, mas, acabei colocando outras na frente e não finalizei esse livraço do Ress.
  • Primeira experiência com os áudio-books: O parque das irmãs magníficas – Camila Sosa Villada (Tusquets, 2021): Até então, eu tinha muita resistência a escutar um livro. Achava que não fosse conseguir me concentrar e que a experiência se perderia. Porém, no mês de junho, a editora Tusquets disponibilizou de forma gratuita o áudio-book de seu grande lançamento do ano passado, O parque das irmãs magníficas. Foi amor à primeira vista, ou melhor, ao primeiro áudio! Gostei demais da narração, da voz da locutora e da experiência como um todo. O livro se destaca das demais leituras feitas em 2022 por ser muito contemporâneo, forte e ter uma escrita muito envolvente e bonita, mesmo para falar de tanta dor. Já anseio por mais livros da Camila por aqui.
  • Personagem mais marcante do semestre: Stephen Dedalus – Um retrato do artista quando jovem – James Joyce (Autêntica, 2018): Acho que o primeiro Joyce a gente nunca esquece…. Acompanhar e estudar a trajetória de Dedalus, um personagem complexo, cheio de camadas e referências sobre a Irlanda é memorável e este é um personagem que só cresce à medida em que compreendemos a sua grandeza literária e principalmente a simbologia envolvida na sua criação. Não foi por acaso que Joyce passou a ser uma referência para o modernismo no mundo inteiro. Em breve, análise sobre a obra por aqui.
  • Destaques dos clubes do livro: Esse semestre, participei de muitas leituras coletivas. Algumas com o Christin Assunção, outras com a Paloma Lima e com a Mell Ferraz, mas, dois grupos se destacaram para mim nesse período: o Leia Mulheres Campinas, com curadoria da Michelle Lopese o Clube Leia Latinos, com curadoria da Jéssica Mattos. Realizei todas as leituras propostas pelas curadoras e me surpreendi com os destinos, com as descobertas, com as escritas e principalmente com o aprendizado que esses clubes me proporcionaram. Ler em grupo é incrível e compartilhar nossas impressões com outros leitores é sempre engrandecedor. Desses dois clubes, saíram duas das minhas melhores leituras do primeiro semestre: Os Mandarins e Banzeiro Òkòtó.
  • Leia Mulheres CampinasOs Mandarins – Simone de Beauvoir (Nova Fronteira, 2017): Não tinha como este livro ficar de fora das minhas melhores leituras. Também não poderia fazer um balanço de leituras como esse deixando de lado o meu querido Clube do Livro, Leia Mulheres Campinas, do qual participo há três anos. Simone é uma autora queridinha por nós do Leia Campinas e dessa vez, encaramos a sua obra-prima, Os mandarins, livro filosófico, que faz muitas referências à sua vida pessoal e de seus amigos, ambientado no pós Segunda Guerra Mundial. Essa obra se tornou especial para mim porque reúne muitas coisas que gosto em um romance: memórias, contexto histórico e enredo filosófico. Já tem resenha sobre ele por aqui.
  • Clube Leia Latinos A festa do Bode – Mario Vargas Llosa (Alfaguara, 2011): Romance histórico ambientado na República Dominicana durante a Era Trujillo, onde o autor a partir de três focos narrativos mostra um pouco do que foi a ditadura no país, as consequências desse governo, a opressão sofrida pela população e a emboscada que deu fim à vida do ditador. Esse livro me impactou porque eu pouco sabia sobre o tema e foi uma descoberta para mim tudo o que estava envolvido por trás desse golpe na vida dos dominicanos. Apesar de triste, esse livro é importante por trazer reflexões sobre a dominação de um povo, sobre acreditar em algo que na verdade não passa de uma falácia e principalmente, para que não deixemos coisas parecidas se repetirem no presente e no futuro. Já tem resenha sobre ele por aqui.
  • Livro mais bonito lido no primeiro semestre: De amor e trevas – Amós Oz (Cia das Letras, 2005): Livro de memórias do escritor, onde ele conta a história de sua mãe. Apesar de concentrar o foco na mãe, Oz volta atrás, na vida de seus antepassados e narra de forma cativante as tradições judaicas herdadas por sua família, o amor ao conhecimento e aos livros e a forma peculiar de seus avós e de seu pai demonstrar afeto por ele. Essa é uma obra sobre amor, sobre afeto, sobre família, tradições, mas também é uma história de dor, de sofrimento, de angústia. Foi uma das coisas mais bonitas que já li na vida.
  • Livro que mais cresceu para mim no primeiro semestre: A insustentável leveza do ser – Milan Kundera (Cia das Letras, 2017): Romance ensaio onde o autor debate sobre o peso e a leveza da vida. A partir do conceito da lei do eterno retorno proposta por Nietzsche, Kundera cria quatro personagens que vão mostrar ao leitor como é viver uma vida pesada em oposição a uma vida leve. Quando terminei essa leitura, diferente por exemplo d’e amor e trevas, Os mandarins, O som e a fúria ou A casa da alegria, eu achei que ele não tivesse alcançado as minhas expectativas. Fiquei até um pouco frustrada por isso. Entretanto, a cada dia que passa, esse livro cresce para mim. Vira e mexe me pego fazendo referências a ele, citando trechos ou discutindo algo proposto por Kundera em seu romance. Por fim, A insustentável leveza do ser entrou para as melhores leituras do semestre. Já tem resenha sobre ele por aqui.

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