vida de leitor

Cinco livros que ajudam a compreender o racismo nos Estados Unidos

Por terem um maior alcance e serem geralmente mais comerciais, os livros estadunidenses são muito populares no Brasil. Não apenas a sua literatura como também outros produtos de entretenimento norte-americanos são bastante consumidos por nós brasileiros e por isso é importante compreendermos um pouco mais sobre o contexto que circunda muitas das nossas histórias favoritas. Deixo claro aqui que não sou uma especialista no assunto, porém, me interesso bastante pelo tema e dessa forma, já assisti a muitos documentários e também já li muitos livros, tanto de ficção quanto de não-ficção que abordam o racismo nos Estados Unidos, a segregação racial nos estados do Sul, a guerra civil norte-americana e as lutas pelos direitos civis. Assim, resolvi indicar cinco títulos, escritos por pessoas negras e que ajudam a elucidar toda a situação acachapante em que elas vivem e os episódios cotidianos de racismo pelos quais essas pessoas passam todos os dias. Vamos aos livros!

  • A terceira vida de Grange Copeland – Alice Walker (José Olympio, 2020): Neste livro forte, contundente, triste, mas com um fundo de esperança, conhecemos Grange Copeland, um homem negro sulista, que resolveu tentar a vida no Norte, acreditando que teria sucesso por lá. Porém, Grange sofrerá uma grande decepção e por isso decidirá que não vai mais conviver com pessoas brancas. Acompanhamos esse patriarca por três gerações, onde através de suas vivências cotidianas e de sua família, reconhecemos o racismo arraigado, as dores, as lutas, a violência contra a mulher, o machismo, a misoginia e principalmente o impacto da dor provocada por outras pessoas na vida de um homem. Não é um livro feliz e nem fácil de ler. Não pela estética, mas por sua intensidade e pelo fato de Walker levar o leitor a vivenciar os sofrimentos da família Copeland. Além disso, o leitor encontra um panorama dos Estados Unidos do século XX, mostrando que o país do sonho americano existe apenas para uma pequena parcela da sua população. Recomendo demais esse livro para quem não tem medo de enredos fortes.
  • Sula – Toni Morrison (Companhia das Letras, 2021): Mais um livro trágico, onde acompanhamos a história de duas amigas, Sula e Nel. Elas vivem em Ohio, são negras e têm uma vida difícil, sacrificante e cheia de restrições. Porém, diferente de Nel, Sula não aceita esse destino cruel e pequeno. Ela sai em busca de uma vida melhor, estuda e consegue voltar em uma posição superior, quando os seus pares ainda continuam do mesmo jeito. Dessa forma, Sula não é aceita em seu bairro, as pessoas a hostilizam, transformando-a em pária social. A complexidade do enredo que Toni Morrison brilhantemente constrói em um texto de menos de 200 páginas é muito grande. É uma obra para releituras, pois em cada uma delas, compreendemos mais sobre os personagens e sobre a ambientação desse romance que é fundamental para a absorção de todas as camadas de significação dele. Ter um conhecimento prévio sobre o racismo nos Estados Unidos, pós-guerra de secessão, ajuda bastante na interpretação da obra de Morrison.
  • A metade perdida – Brit Bennett (Intrínseca, 2021): Neste livro intenso e visceral, conhecemos a gêmeas idênticas Vignes. Aos 16 anos as duas resolvem fugir de casa e acabam se perdendo uma da outra em um dia comum: enquanto uma resolve se passar por uma mulher branca, a outra começa a se relacionar com um homem negro retinto, assumindo a sua negritude. Esses detalhes são importantes porque um dos temas principais dessa obra é o colorismo e a tentativa de branqueamento da população norte-americana através da miscigenação ou da exclusão total de negros retintos. Bennett conduz essa trama entre as décadas de 1950 e 1990, mostrando um panorama rico dos Estados Unidos nesses 40 anos, suas idiossincrasias e as oportunidades diferentes para pessoas brancas e negras. Essa é uma autora contemporânea para ficarmos de olho e acompanharmos o seu trabalho.
  • Se a Rua Beale Falasse – James Baldwin (Companhia das Letras, 2019): Clássico norte-americano, conta a história de um casal negro, trabalhador, apaixonado e cheio de esperanças por uma vida melhor e por um mundo mais justo, são atropelados por um destino implacável e cruel, que condena um homem apenas pela cor da sua pele. A história se passa no Harlem da década de 1970 e mostra a determinação de Tish, a noiva de Fonny, que foi preso por um crime que não cometeu, em provar sua inocência. O autor aborda muitos temas complexos que estavam em voga nessa época nos Estados Unidos após os assassinatos de Martin Luter King e de Malcon X. É um belo romance, muito bem escrito, tocante e que nos faz pensar sobre os nossos preconceitos arraigados e em como nos livramos deles, pois em sua maioria, são socialmente construídos.
  • Os viajantes – Regina Porter (Companhia das Letras, 2020): Excelente romance de estreia da autora estadunidense, que conta a história de duas famílias, uma branca, descendente de irlandeses e outra negra dos Estados Unidos. Os destinos desses personagens vão se cruzando ao longo do texto, assim como a trajetória individual de cada um deles é desenhada através da linha do tempo que é fragmentada, forçando o leitor a montar o quebra-cabeças e construir essa trama. Há um panorama dos Estados Unidos nesse livro, que começa na década de 1950 e segue até 2010, quando Barack Obama toma posse, sendo ele o primeiro presidente norte-americano negro. Nada nesse livro está lá por acaso. Além das referências literárias, baseadas em Joyce e em Shakespeare, Porter conduz o leitor ao interior dos Estados Unidos, passando pelos tempos da segregação racial, protegidas pelas Leis Jim Crow, amparadas pelo Green Book e recheadas de preconceitos e de ódio racial. Ao mesmo tempo, a autora coloca alguns alívios cômicos, permitindo ao leitor digerir as tragédias às quais os personagens são submetidos. As únicas ressalvas que faço para quem quer ler esse livro são: o narrador tem a mesma voz para mais de dez personagens, algo que me incomoda bastante e, é importante ter um certo conhecimento prévio sobre o racismo nos Estados Unidos para compreender as referências da autora. Ela não explica as coisas para o leitor leigo, contando com a nossa capacidade de inferir os não-ditos. Livraço de mais uma autora contemporânea para ficarmos de olho.

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