crítica

Como curar um fanático – Amós Oz

Para compreender os textos contidos nesse livro de três ensaios Como curar um fanático (Cia das Letras, 2016), é necessário voltar aos conflitos entre palestinos e israelenses. Os problemas entre Israel e os países árabes ocorrem desde o século XIX, sendo resultado do sionismo, movimento político liderado por Theodor Herzl, jornalista austríaco que defendia a criação de uma nação judaica em um território unificado. Com o apoio da Inglaterra, foi-lhes oferecido um território em Uganda, que foi rejeitado pelo grupo. Ao longo do tempo, como já foi dito na resenha sobre a HQ Palestina, muitos judeus europeus migraram em diáspora para a região do Oriente Médio com o objetivo de fugir das atrocidades praticadas pelos nazistas, instalando-se na região da Palestina.

Nesta época, o Ministro de Relações Exteriores Arthur Balfour, apoiou a fundação do Estado de Israel na Palestina, incentivando o êxodo de mais judeus para o local. Entretanto, este mesmo homem havia prometido a independência aos árabes, que na época, eram colônias inglesas. Os judeus criaram comunidades agrícolas na região, escolhendo os melhores pontos para cultivo e se instalando nesses locais. Preocupada com as consequências dessa migração em massa durante a década de 1930, a Inglaterra proibiu a imigração de judeus europeus para a região do Oriente Médio, começando assim uma entrada ilegal na Palestina e em outros países árabes. Lembrando que, nenhum país europeu queria os judeus em seus territórios.

A campanha sionista ganhou força e simpatia das outras nações após o genocídio de mais de 6 milhões de judeus nas câmaras de gás nazistas. Compreendendo que precisavam de algum tipo de reparação, em 1948, a ONU criou o Estado de Israel, dividindo a região da Palestina em duas partes, sendo 11.500 km2 para 1,3 milhão de palestinos e 14.500 km2 para 700 mil judeus que viviam na região. O Estado de Israel não foi reconhecido pela comunidade árabe e assim, a primeira guerra israelo-palestina aconteceu. O conflito se estendeu entre os meses de maio de 1948 a janeiro de 1949, deixando mais de 1 milhão de palestinos em diáspora, após a vitória de Israel, com o apoio – surpreendendo um total de zero pessoas – dos Estados Unidos.

A partir desse primeiro conflito, muitos outros se seguiram e a situação de guerra entre a Liga Árabe e o Estado de Israel continua, sem uma previsão de encerramento. Amós Oz foi um escritor israelense, que nasceu no Oriente Médio, filho de pai russo e mãe polonesa, sendo sua família uma das pioneiras da diáspora da Segunda Guerra Mundial. O autor defende a solução de dois estados para o fim dos conflitos israelo-palestinos, conforme a decisão da ONU de 1948. Os discursos deste livro foram feitos em duas ocasiões diferentes: a primeira palestra foi ministrada em 2015, após ataques terroristas em Paris e os outros dois textos foram transcritos de palestras feitas na Alemanha em 2002.

O primeiro texto, chama-se Em louvor às penínsulas e é de longe o meu favorito. Talvez mostre um pouco da maturidade do pensamento de Oz, já que foi palestrado 13 anos depois dos outros dois, que considerei fracos e sem muito embasamento para me convencer sobre o fanatismo, suas origens e soluções. Mas, vamos por partes!

Em louvor às penínsulas, traz reflexões a partir da curiosidade que nos move, que leva o artista a se colocar no lugar do outro, em um movimento de empatia, para tentar compreender suas razões para agir de tal modo:

A força que me impele é a curiosidade. Eu fui uma criança curiosa. Quase toda criança é curiosa. Mas pouca gente continua a ser curiosa em sua idade adulta e em sua velhice” (OZ, 2016, pág. 12)

Em oposição à curiosidade, Oz coloca o fanatismo, que impede as pessoas de olharem para o lado, de ouvirem o outro, em uma tentativa hostil de mudar o pensamento dos outros, impondo-lhes um modo de vida que não lhes convém. É a nossa velha ideia de acreditar que aquilo que é bom para mim, tem de ser para todas as outras pessoas. Aqui ele trata como fanatismo, que em sua opinião, está totalmente relacionado à falta de humor:

Fanáticos não têm senso de humor, e raramente são curiosos. Porque o humor corrói as bases do fanatismo, a curiosidade agride o fanatismo ao trazer à baila o risco da aventura, questionando, e às vezes até descobrindo que suas próprias respostas estão erradas” (OZ, 2016, pág. 13)

Oz também coloca o fanatismo como uma preguiça de pensar ou um comodismo, que impede a pessoa de buscar outras possibilidades de resposta, outras vertentes de pensamento e principalmente, de tentar entender o outro ou ao menos respeitar a sua opinião. Segundo o autor, o fanatismo é um “gene ruim” que é inerente ao ser humano e que qualquer pessoa pode se tornar um fanático. Além disso, o fanático acredita estar impondo sua vontade, sua crença ou sua opinião para o bem do outro, como se só ele soubesse o que é bom para a humanidade.

Outro grande problema gerado pelo fanatismo é o fato de muitas pessoas que não evoluíram, não desenvolveram sua capacidade crítica e analítica da vida, pessoas que veem todas as coisas de forma maniqueísta, enxergam os visionários ou as pessoas mutantes como traidores, traidores do sionismo, traidores da Liga Árabe, traidores de qualquer movimento que uma pessoa mais crítica possa ressalvar ou não concordar com todas as ações praticadas em nome da pátria, do amor ou de qualquer outra coisa:

O crescimento do fanatismo pode ter relação com o fato de que quanto mais complexas as questões se tornam, mais as pessoas anseiam por respostas simples. Fanatismo e fundamentalismo muitas vezes têm uma resposta com uma só sentença para todo o sofrimento humano. O fanático acredita que se uma coisa for ruim, ela deve ser extinta, às vezes junto com os seus vizinhos” (OZ, 2016, pág. 27)

 Discutindo o fanatismo que leva as pessoas a cometerem crimes, Oz também discursa sobre a maldade humana, que para ele é consciente. De acordo com o escritor, qualquer pessoa ao infligir mal ao outro sabe exatamente o que está fazendo, mesmo quando crianças, temos consciência da nossa maldade. Esse sentimento ruim cresce, muitas vezes insuflado por discursos de ódio e assim criam-se as facções criminosas, que agem com a intenção de defender as suas partes, suas opiniões ou simplesmente se fazer notar à força. Resumindo seu pensamento, além de já possuirmos uma maldade humana, esse comportamento agressivo é construído socialmente.

Carregando séculos de derramamento de sangue, a Europa torna-se a grande responsável em certo sentido, por toda a construção desse ódio arraigado nas pessoas que um dia, foram vítimas de invasões, de colonização, de humilhações constantes e de todo o tipo de atrocidades que o homem é capaz de produzir. Os países árabes ainda não se recuperaram das consequências da colonização e os judeus também não aceitaram o holocausto.

a Europa está envolvida historicamente, em mais do que uma só maneira, na tragédia de israelenses e árabes. Tanto israelenses como árabes, de dois modos distintos, foram no passado vítimas da Europa: os árabes pelo colonialismo, o imperialismo, a exploração e a humilhação. Os judeus pela discriminação, perseguição, pelos pogroms e finalmente pelo pior genocídio sistemático da história” (OZ, 2016, pág. 24/25)

Em contraponto a todo esse discurso sobre o ódio, Oz fala também sobre o amor. Em sua opinião, é muito difícil sentir amor ao próximo ou à pátria. Sentimos amor por pessoas próximas a nós e são poucas essas pessoas. Por outro lado, ele acredita que o comprometimento é o mais próximo que chegamos a esse amor ao próximo. Por compromisso, ele quer dizer que a nossa palavra deve valer, que precisamos cumprir os acordos, mesmo que tenhamos de abrir mão de alguma coisa. Entretanto, atualmente, ninguém mais quer ceder. Todos querem tudo a seu modo e assim, não há paz:

Para mim, o amor é uma experiência íntima, um artigo raro. Um ser humano só é capaz de amar muito pouco. Se alguém disser que ama a América Latina, ou que ama o terceiro mundo, ou que adora o belo sexo, está usando inadequadamente o termo amar (…) Guerras e violência são apenas consequências da agressão (…) Ideias ruins têm de ser superadas, afinal, por ideias melhores. O Estado Islâmico não é apenas um bando de assassinos, é uma ideia, nascida de raiva e desespero e fanatismo” (OZ, 2016, pág. 30)

Finalizando esse discurso, o autor justifica o nome do ensaio:

nenhum homem é uma ilha, mas cada um de nós é uma península: em parte conectado com a terra firme da família, da sociedade, da tradição, da ideologia, etc. – e em parte voltado para os elementos, sozinho e em silêncio profundo (…) depois do momento da graça, o momento metaforicamente judaico no qual traduzimos nossas profundas diferenças individuais no milagre das pontes construídas por palavras” (OZ, 2016, pág. 32)

O segundo texto chama-se Entre o certo e o certo, onde o autor aborda as razões tanto de Israel, quanto da Palestina em lutar por esse território de conflito. É neste ensaio que ele defende a solução de dois estados, que privilegia Israel. Apesar de se compadecer e compreender as razões dos palestinos, em momento algum o autor coloca a invasão da Palestina pelos judeus ao longo dos anos. Ele se preocupa com os palestinos que não possuem lar, que estão em diáspora pelo mundo, em um número exorbitante de 6 milhões de pessoas e percebe a semelhança entre israelenses e palestinos no sentido de amarem aquelas terras e também de não serem aceitos nos outros países do mundo. Sua argumentação em prol do Estado de Israel se baseia nesse aspecto:

Mas todos sabem pelo menos que a cirurgia é inevitável, todos sabem agora que o país terá de ser dividido de alguma maneira em dois Estados nacionais. Um país será predominantemente, não exclusivamente, mas predominantemente judeu, porque os judeus têm o direito de ser a maioria em um território pequeno, o qual, depois da retirada de Israel, terá provavelmente um terço do tamanho de um condado britânico. Mas este será um lugar reconhecido por judeus israelenses, pelo mundo inteiro, mesmo por nossos vizinhos, como nosso lar nacional. Mas os mesmos direitos ao povo palestino deverá ser o preço disso. Eles terão uma pátria, que será ainda menor que Israel, mas será um lar, seu lar” (OZ, 2016, pág. 50/51)

Oz também não faz menção às brutalidades cometidas pelos soldados israelenses à população palestina, algo que na minha opinião, é muito relevante para esse acordo de paz, que beneficia Israel, quando a pátria palestina foi invadida sob fortes ataques de agressão, algo que o autor repudia de todas as formas. Entretanto, existem os dois lados e, pode ser que, a situação relatada pelos palestinos seja uma reação dos sionistas ao primeiro conflito, aquele de 1948.

No último texto, chamado Como curar um fanático, que foi o que eu menos gostei, Oz define novamente fanatismo e argumenta sobre as suas origens, além de propor soluções para esse comportamento tão velho e ao mesmo tempo tão em alta no século XXI. Esse ensaio não traz muitas novidades em relação aos dois primeiros, mas quero ressaltar alguns argumentos que ele traz aqui e que me chamaram a atenção. O primeiro deles é sobre as mudanças ocorridas entre os séculos XIX e XX. De acordo com o escritor, antigamente, tínhamos algumas bases sólidas de vida que nos guiavam ao longo da nossa trajetória, mantendo-nos no caminho “certo”. Essas certezas eram: onde viverei, como ganharei a vida e o que acontece comigo após a morte. Essas seriam as maiores preocupações humanas do século XIX. Já no século XX, essas certezas caíram por terra, quando grandes pensadores entraram em cena, desconstruindo tudo o que entendíamos por existência, propondo mudanças de paradigmas e provocando crises existenciais mais frequentes:

Parece que o século XX sobressaiu nos dois casos. Regimes totalitários, ideologias mortíferas, chauvinismo agressivo, formas violentas de fundamentalismo religioso por um lado e, por outro, a idolatria por uma Madonna ou um Maradona (…) O século XX corroeu e muitas vezes destruiu essas e outras certezas. A perda dessas certezas elementares pode ter sido a causa do meio século mais pesadamente ideológico, seguido do meio século mais furiosamente egoísta, hedonista, orientado para gadgets (…) Em algum momento em meados desse século, tal conceito foi substituído pelo conceito de felicidade instantânea, não somente o famoso direito de batalhar pela felicidade, mas a efetivamente difundida ilusão de que a felicidade está ali nas prateleiras e que tudo que se deve fazer é enriquecer o bastante para se permitir adquirir a felicidade usando sua carteira” (OZ, 2016, pág. 72/73)

Outro argumento utilizado pelo autor que me frustrou as expectativas, foi quando ele alegou que o fanatismo começa em casa. Para ele, as pessoas da própria família tentam converter umas às outras para outros hábitos alimentares, outras religiões, outros partidos políticos, com a intenção de ajudar os outros, porém, na verdade fazem isso por causa de um vazio de personalidade que possuem e que acaba sendo ocupado pelo extremismo. Até certo ponto, concordo com esse ponto de vista, mas, acho que o fanatismo e o ódio são insuflados na família por causa das histórias contadas todos os dias sobre os horrores da guerra, do holocausto, da intifada, da invasão, da derrubada das oliveiras…. Essas histórias, contadas com rancor, levam os jovens a buscarem uma vingança, uma reparação aos males causados às suas famílias. E quanto mais essas histórias são contadas, mais extremistas vão se tornando as gerações.

Pode ser que o meu argumento leve a um outro problema, que seria o apagamento das desgraças cometidas pela humanidade e sim, precisamos falar sobre esses incômodos, precisamos lembrar das vítimas, do holocausto, dos gulags, das invasões, da colonização, da escravidão, das intifadas. Mas, qual é o preço da paz? Como vamos chegar à paz instigando o ódio nos nossos descendentes? Em algum momento, temos que parar e sim, ceder de algum lado para que o outro possa fazer o mesmo movimento. E precisamos também pensar em meios de reparação a todas as vítimas de guerras, de todas as guerras e conflitos mundiais. Precisamos ativar o pensamento crítico para encontrarmos um meio termo que não favoreça ninguém, mas que possa ser bom para todos.

Outro ponto que Oz aborda nesse ensaio e sob o qual discordo é quando ele diz que por sorte os conflitos israelo-palestinos são internacionais e por isso mais fáceis de resolver. Não acho que sejam. Principalmente quando envolve os Estados Unidos, o Reino Unido, a ONU…. Se fosse tão fácil a solução, já teriam feito alguma coisa mais consistente para solucionar esse impasse que atravessou o século XX e daqui a pouco completa um século. Por outro lado, concordo quando ele diz que Shakespeare, Gogol, Kafka, Tchekhov e Faulkner são antídotos contra o fanatismo e armas contra a guerra. Que a literatura pode nos salvar da ignorância e nos trazer a capacidade de nos humanizar e de sentir empatia pelo próximo. Além de nos tornar mais críticos, analíticos e pensantes.

A antologia de discursos de Oz é boa, nos faz refletir sobre muitos temas, os quais trouxe aqui só os que me impactaram mais. Porém, recomendo a leitura do livro, de forma crítica e ativa para pensarmos juntos nessa questão tão fundamental, que se arrasta por tantas décadas e que ainda está longe de uma solução pacífica. Amós Oz foi um grande prosador, um grande ensaísta, um homem erudito que lutou por aquilo que acreditava e que merece todo o nosso respeito, mesmo quando discordamos de seus pontos de vista.

2 thoughts on “Como curar um fanático – Amós Oz”

    1. I’m glad for that! The best thing about the internet is to exchange ideas and impressions about our readings and the reflections they bring us. Today there was another review about an Oz book that I loved! Let´s talk!

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