crítica

Em busca do tempo perdido – Tomo 1 – Marcel Proust

No caminho de Swann e À sombra das moças em flor

Resenhar Em busca do tempo perdido é uma árdua tarefa. Tanto é, que encontramos poucos materiais para consulta nesse formato, enquanto em relação a estudos e dissertações, encontramos em excesso. Talvez ler Proust seja uma experiência pessoal, no sentido de que o autor vai tocar cada leitor de forma diferente e despertar em cada um deles sentimentos diversos, sejam de ternura ou de enfado. Mas, divagações à parte, tentarei fazer uma resenha para esses livros, considerando três aspectos principais: o enredo, o narrador e as minhas impressões sobre as obras.

Para quem ainda não conhece essa obra clássica da Literatura Francesa e Mundial, Em busca do tempo perdido é composta por sete livros, sendo eles No caminho de Swann, À sombra das moças em flor, O caminho de Guermantes, Sodoma e Gomorra, A prisioneira, A fugitiva e O tempo recuperado. Nessa série, o autor conta as memórias do jovem Marcel, que, ao morder uma Madeleine, começa a se lembrar de sua infância e da história de seus pais, compartilhando essas vivências com o leitor.

De acordo com os especialistas na obra de Proust, ele começou essa empreitada de forma despretensiosa e quando se deu conta, acabou criando uma das maiores odisseias do século XX, influenciando assim muitos artistas que vieram depois dele e proporcionando temas de estudos literários muito ricos para os estudantes das obras clássicas e modernistas. O tempo é o fio condutor da obra. Através de sua passagem, ora lenta, ora rápida, o autor reflete sobre a forma como utilizamos o nosso tempo, as escolhas que fazemos e o que fatalmente iremos aprender à medida em que envelhecemos. Para muitos leitores essa obra é um gatilho para a reflexão e a mudança de valores e de estilo de vida. Para outros, é apenas uma obra pretenciosa, escrita por um cara que passou a maior parte da sua existência trancado dentro de casa e que talvez, só talvez, não tenha propriedade para dar lições de moral em ninguém e muito menos criticar o estilo de vida dos outros. Mas, conjecturas à parte, o fato é que Proust marcou a Literatura Mundial e deu o que pensar com esses livros.

No primeiro volume, No caminho de Swann, conhecemos o jovem Marcel e sua famosa Madeleine. Durante um chá, ao comer o doce, o nosso narrador protagonista se lembra da sua infância e da história de seus pais e começa a nos contar como eles se conheceram e como eram os costumes daquela época. A partir desse ponto, vamos encontrar um texto corrido, com parágrafos enormes, sem pausas, com bastante fluxo de consciência, como se fosse alguém contando as suas lembranças para um interlocutor. Essa característica contundente do movimento modernista vai guiar a saga do princípio ao fim. Porém, em meio a todas as lembranças do jovem Marcel, ele vai comentando os acontecimentos de forma crítica, mostrando além de fatos históricos que aconteceram em Paris – relacionados à arte, como a música, o teatro e a pintura até à manifestos como o caso Dreyfus e outros fatos importantes para o futuro da França – entremeados com a sua história pessoal.

No caminho de Swann é um livro muito bonito, escrito de forma poética e cheio de observações pertinentes sobre as nossas escolhas e as suas consequências. O tempo aqui passa de forma lenta, assim como o texto, mostrando como enxergamos a passagem dele durante a nossa infância. As tardes livres, os dias preguiçosos parecem mais lentos que os dias agitados da adolescência e da vida adulta. Os dias parecem não passar, os acontecimentos banais ganham um novo significado porque por muitas vezes eles são os únicos acontecimentos de um longo período, tornando-se assim importantes demais e posteriormente lembranças fundamentais para quem nos tornamos mais tarde.

Mas você leitor, deve estar se perguntando: quem é Swann? Charles Swann é o protagonista deste primeiro livro. Um homem que vai despertar o fascínio do narrador Marcel durante as primeiras lembranças de sua vida. Em um dado momento, ele descobre que o sobrenome da sua mãe era Bond Swann e a partir de então, ele sai em busca dessa história, mostrando as venturas e desventuras de Charles para conquistar sua amada. Vamos acompanha-lo nos saraus, nas óperas, nos bailes e festas oferecidas por seus amigos e, durante esses eventos, percebemos como as pessoas são falsas e interesseiras. Como elas estão sempre dissimulando e criando oportunidades para se darem bem socialmente falando. Claro que nem todas são assim. Mas, há sempre uma dinâmica social que é feita e para participar dela, haja hipocrisia!

É interessante como as crianças percebem essas nuances da sociedade e como elas lidam com isso. Muitas delas mimetizam essa forma de ação e posteriormente adotam esse estilo de vida como o único possível em sua classe social. No início do século XX, as pessoas tinham o hábito de fazer visitas de cortesia umas às outras. Por isso, as casas viviam cheias de gente e as conversas corriam soltas. Os famosos chás da tarde também eram um costume muito apreciado por todos e neste volume acompanhamos vários deles. As intrigas, as conversas e as novidades na área da cultura aparecem com frequência também nesse primeiro livro. Enquanto isso, o tempo vai passando, as decisões são tomadas e a vida vai seguindo e se modificando a todo momento, até encontrarmos o desfecho do caminho de Swann.

No segundo volume, À sombra das moças em flor, acompanhamos o jovem Marcel em sua adolescência, passando por uma convalescência nos balneários franceses junto a sua avó. Nesta fase, ele está descobrindo o amor e a paixão, observando as jovens garotas e fazendo amizades. O que mais chama a atenção neste volume é a quebra de expectativas de Marcel. A princípio, o jovem passa muito tempo no quarto, no hotel ou em companhia de sua avó e dos amigos dela. Nesta fase, conhecemos algumas marquesas e outras pessoas aristocratas que tiveram como amigos ninguém mais ninguém menos que Victor Hugo ou Honoré de Balzac. É muito legal porque nós leitores, assim como o narrador, percebemos que esses gênios do romance foram tão humanos quanto nós, capazes de erros, frustrações e até mesmo de chatices.

Um tempo depois, ele conhece o neto de uma amiga de sua avó e a partir desse encontro, começa uma nova jornada. Aquele Marcel calado, emburrado, que ficava no quarto e quase não saía, começa a conviver com os jovens e a conhece-los. Antes de se aproximar deles, Marcel os via com um olhar simplista, como se fossem pessoas intragáveis. Talvez esse pensamento seja consequência de sua visão de mundo, criada a partir de suas vivências na sociedade. Mas, ele se surpreende de forma positiva, fazendo amizades boas e se permitindo assim, recuperar a sua saúde física e aproveitar a estadia na praia.

Mas, as expectativas são quebradas em relação às garotas também. E dessa vez, a quebra é negativa. Proust nos brinda com análises magníficas sobre o ser humano nessas passagens. Ele nos mostra que todas as pessoas possuem defeitos e que se quisermos ter amigos ou conviver com os outros, precisamos aceitar as suas falhas, assim como elas também precisam passar por cima das nossas. Ele também nos leva de volta à nossa juventude no sentido de nos mostrar como idealizamos a pessoa amada e depois, ao conhece-la melhor, percebemos que ela é totalmente diferente daquilo que criamos em nossa mente.

O tempo nesse volume passa ora devagar, ora rápido. Marcel se entedia ao ficar sem fazer nada ou junto aos amigos de sua avó. A partir do momento em que resolve aproveitar as férias, elas já estão chegando ao fim. Quem nunca? Essas reflexões, que muitas vezes estão implícitas no texto e em outras analisadas de forma proposital, nos mostram a relatividade do tempo e da vida. Nos levam a pensar sobre a brevidade das coisas e como elas podem mudar de um minuto para o outro. As críticas sociais também aparecem aqui das duas formas: implícitas ou escancaradas e com direito a digressões do autor.

Não é segredo para ninguém que Proust utiliza elementos autobiográficos nesse texto, assim como muitos de seus contemporâneos. Uma das características marcantes da Literatura Francesa é a autoficção, a autobiografia ou mesmo o uso de elementos verídicos em obras de ficção. Por isso, o leitor fica sempre em dúvida sobre o que é real e o que é ficção. Mas ainda assim, diante de um texto tão cheio de referências e tão reflexivo, somos levados a acreditar em tudo, mesmo sabendo que a memória é cheia de falhas e que nos prega peças inenarráveis.

Em relação à minha experiência de leitura, posso dizer que foi em grande parte positiva. Mas esse não é um livro para se ler no metrô ou para ser lido com pressa. É uma obra para ser apreciada, marcada e até mesmo, para se permitir aqueles momentos de reflexão, quando você lê algo, para e fica pensando sobre o que leu. Gosto muito do Proust porque ele desperta em mim a vontade de escrever e de falar sobre alguns temas específicos que ele aborda nos seus livros. Em busca do tempo perdido é até o momento o livro que mais gerou insights para ensaios e digressões do site. É também um livro sobre o qual eu mais citei, favoritei e compartilhei trechos no Instagram.

É sem sombra de dúvidas um livro marcante para mim. Mas, apesar de tudo, ele é cansativo. O fluxo de consciência, a ausência de pausas e de capítulos atrapalha um pouco a fluidez da leitura e muitas vezes, nos faz perder o fio da meada e até mesmo confundir o enredo do texto. Apesar das suas falhas, se queremos ler as partes boas dessa saga, precisamos passar pelas chatas. Parafraseando o próprio autor, para conviver com as pessoas, é preciso aceita-las com os seus defeitos e elevar suas qualidades.

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