vida de leitor

Especial de aniversário: 6 livros transformadores que me definem

Há algum tempo, o pessoal que compartilha suas leituras nas redes sociais, fez um movimento com a #4livrosquemedefinem. Essa hashtag foi para o Instagram, depois virou uma figurinha com 10 títulos e muitas pessoas compartilharam os livros mais marcantes de sua vida. Também teve a figurinha dos personagens que representam a essência do leitor e muitas outras nessa vibe de representatividade e importância subjetiva para cada um. Pois bem: participei de todas essas brincadeiras nas redes, afinal, adoro compartilhar boas dicas de leituras, mas, sempre pensei na dificuldade em responder a essas tags sem um contexto por trás delas, apenas apontar x livros que me definem ou x personagens que me representam, sem um porquê para isso.

Dessa forma, aproveitando o ensejo do meu aniversário, resolvi compartilhar aqui, de maneira mais detalhada (mas nem tanto, rsrs, prolixidade tem limites) os seis livros que eu considero que me representam de alguma forma e que me transformaram como indivíduo e como leitora. Já de antemão, digo que eu tenho tendência a gostar e de muitas vezes me identificar com personagens complexos, fora do padrão e que são pouco compreendidos. Talvez isso aconteça por eu ter uma personalidade bastante complexa e às vezes me sentir incompreendida. Os livros e a literatura como um todo têm essa função humanizadora de provocar empatia e de nos mostrar que existem outras pessoas que se parecem com a gente ou até mesmo que possuem as mesmas dificuldades e idiossincrasias que nós.

É reconfortante e deixa um “quentinho no coração” saber-se parecido com outros indivíduos e compreender que as minhas dificuldades da vida podem ser a de outros e que não estamos sozinhos em meio à multidão. Entretanto, encontrar esses livros é difícil. Podemos gostar muito de determinadas leituras por serem de um gênero que apreciamos ou por terem um enredo bom, por serem bem escritos ou por diversos motivos estéticos ou até mesmo subjetivos, mas, aqueles que nos transformam e que nos representam são raros. Então, dentre tantos favoritos da vida por razões diversas, escolhi seis que trazem personagens ou enredos que se parecem comigo ou com a minha história. Claro que são apenas semelhanças de pensamento, ou de um recorte da obra com a minha existência. Mas, de alguma maneira, esses escritores (as) me cativaram e me levaram a reflexões que me transformaram de alguma forma ou me fizeram sentir-me mais próxima de um lugar comum ou mesmo ter a certeza de que outras pessoas sentem e pensam como eu.

É importante lembrar que, a maioria dos escritores (as) se baseiam em observações ou experiências próprias para escrever seus livros. Dessa forma, os personagens de ficção, até mesmo aqueles da ficção científica, especulativa e das sagas de fantasia, possuem características retiradas da realidade e da nossa sociedade. O comportamento humano é a matéria prima do escritor para criar personagens multifacetados, complexos e enredos não maniqueístas. Já li muitas entrevistas com autores (as) afirmando que observam muito as pessoas e suas reações em determinadas situações, além dos problemas sociais da época para compor suas histórias e personagens. Portanto, existe verossimilhança entre a ficção e a realidade, principalmente quando um personagem, uma história ou um tema qualquer dialogam diretamente com o leitor e o levam tanto à empatia, quanto à simpatia ou mesmo à identificação com a obra. A cada livro escolhido, falarei o motivo para ele estar nessa lista e porque ele me transformou tanto e me define. Vamos aos seis livros que compõem essa tag de aniversário:

  • Mrs. Dalloway – Virgínia Woolf (Antofágica, 2020): Nesta história, acompanhamos Clarissa Dalloway em um dia de sua vida. É como se uma câmera estivesse dentro da cabeça dela e de lá alcançamos todos os seus pensamentos, tanto os mais bonitos, quanto os mais sombrios. Através dela conhecemos também alguns vizinhos e outros personagens que compõem o romance, mas, o que me fez gostar mesmo dessa obra, além da escrita potente e lírica de Virgínia foi o fato dela construir uma personagem que por fora parece muito superficial, mas por dentro é complexa, cheia de nuances e camadas para descobrirmos. Mrs. Dalloway vaga pela cidade no dia em que vai oferecer uma festa. Ela sai para comprar as flores, mas no caminho, ela reflete sobre a guerra, a depressão, o estresse pós-traumático, o medo, a solidão, a hipocrisia e a vida de aparências. Todo esse contexto dialoga muito comigo, até porque, Mrs. Dalloway é uma mulher incompreendida, assim como eu. Ela também divaga muito em seus pensamentos, que vão de uma coisa totalmente diferente à outra que não tem nada a ver. Quem me acompanha aqui há mais tempo sabe o quanto eu amo Virgínia Woolf e como a obra dela dialoga comigo em diversos sentidos. Ela tem a capacidade de nos fazer sentir “gentem como a gente”.
  • O amor de uma boa mulher – Alice Munro (Companhia das Letras, 2013): Nesta antologia de contos, conhecemos diversas mulheres comuns, que em algum momento de suas vidas tomaram uma decisão que transformou o seu destino. A grande questão é que, quando essa decisão foi tomada, elas não imaginavam o que aconteceria a seguir. Parece a vida da gente? Claro que sim e é justamente por isso que esse livro está aqui nesta lista. Alice Munro foi a escritora que virou uma chavinha na minha mente e me fez ver os livros de outra forma. Depois dela eu sabia que não leria mais qualquer tipo de livro e que buscaria sempre essa conexão com a vida, que a autora faz muito bem. Ao mesmo tempo em que seu texto é fluido, ele é intenso. Através dos tantos não ditos, ela joga luz nos sentimentos que tentamos enterrar e que não gostamos de admitir que sentimos. Ela incomoda o leitor com uma sutileza que apenas os exímios conhecedores da alma humana são capazes de fazer. Pessoas comuns, que tomam decisões triviais, que vivem vidas cotidianas, mas que pagam caro por suas escolhas, que seguem vivendo por qualquer motivo que seja: falta de opção, gosto pela vida, paixão, conformismo ou seja o que for, dialogam com a vida de praticamente todos nós, que somos meros coadjuvantes no dia-a-dia, mas, nas histórias de Munro, nos tornamos protagonistas.
  • Novembro de 63 – Stephen King (Suma, 2013): Nesta história de ficção científica, conhecemos o professor Jake Epping, um homem comum, que descobre que pode viajar no tempo e mudar as coisas para melhor. Parece uma trama batida e clichê, mas o que o autor faz aqui é bem diferente e complexo: ele retira a viagem no tempo do plano individual e leva para o coletivo. Sempre pensei que a possibilidade de voltar no tempo e mudar alguma coisa que aparentemente nos prejudicou é uma ação egoísta, pois, a alteração feita no passado, impacta na vida de muitas outras pessoas que simplesmente estão bem onde estão. E, é a partir desse mote que King leva o seu protagonista para o túnel do tempo a fim de impedir a morte de John Kennedy. O resultado é bem nefasto, o que nos faz pensar que se ele sobrevivesse, as coisas não seriam melhores como achamos, mas, coisas muito piores aconteceriam. Mais uma vez, aqui entram temas metafísicos e, precisamos ter uma certa fé no destino para compreender a lógica de que cada um de nós está exatamente onde deveria estar. Assim, mesmo se modificássemos algo no passado, nossas condições de vida não mudariam tanto. As agruras poderiam ser piores e assim, não as suportaríamos. Bem, eu acredito em destino. Acredito também que ele pode mudar. Mas, tenho fé de que estou onde deveria estar e nas condições em que posso estar.
  • Tetralogia Napolitana – Elena Ferrante (Biblioteca Azul, 2015/ 2017): Nos quatro livros que compõem essa história, conhecemos as amigas Lila e Lenu, moradoras de Nápoles, pobres e que desejam mudar de vida. A trama é ambientada inicialmente na década de 1950 e finalizada no final do século XX. Trata-se de um romance histórico, mas como afirma Lukács, “o que transforma esse gênero em histórias populares é o fato dele mesclar os acontecimentos mundiais com os microcosmos interiores, com os acontecimentos internos, nas casas das pessoas e colocar luz nos sentimentos humanos e nas consequências da História na vida familiar dos indivíduos”. Há neste enredo muita violência, influências da máfia italiana, a fase do fascismo e as questões de gênero: a mulher deve ser sempre subserviente ao homem e não tem direitos. Lila é a amiga genial, aprende tudo com muita facilidade, autodidata, inteligente, acima da média. Porém, é proibida de estudar por seus pais e precisa trabalhar para ajudar no sustento da família. Já Lenu é uma moça comum, precisa se esforçar muito para conseguir boas notas. Apesar de seus pais terem outros planos para ela, Lenu consegue seguir adiante com os seus estudos e se tornar escritora. Muitos leitores não gostam da Lenu porque ela comete muitos erros ao longo do caminho. Mas, eu gosto muito dela e em diversas partes do romance me identifiquei com a personagem e com o seu modo de lidar com as coisas da vida, seus sentimentos muitas vezes mesquinhos, que são altamente questionados por ela. Caetano Veloso já dizia que “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é” e por isso, compreendo a Lenu: erramos, sabemos que erramos e vivemos em um monólogo interior conosco, tentando entender a vida e as nossas ações. Mas, no fim das contas, somos boas pessoas. Apenas errantes e cheias de camadas.
  • Verão no aquário – Lygia Fagundes Telles (Companhia das Letras, 2010): Neste romance conhecemos a Raísa, uma moça complexa, que não corresponde às regras comportamentais de sua época e de sua classe social. Ela é filha de uma escritora famosa e que todos admiram. Além do peso de ser comparada com a mãe por todos, ela acabou de perder o pai para o álcool e sua família está em decadência financeira. Esse livro foi escrito na década de 1960 e mostra a situação de muitas famílias aristocráticas de São Paulo que estavam falindo por motivos econômicos e sociais. O contexto é importante porque o comportamento da protagonista pode ser lido como uma metáfora para a situação do Brasil naquele tempo. Porém, há uma abordagem da questão psicológica da personagem que está tentando se descobrir como indivíduo. Ela tenta se desvencilhar das comparações com a mãe e se mostrar única. Porém, a sociedade não lhe vê assim: ela é percebida pelos outros como uma pessoa subversiva, que só faz coisas erradas e imorais, quando na verdade, ela está testando os seus limites para ver onde eles vão leva-la, o que ela é capaz de suportar. A Raísa é jovem e a sua mente, que acessamos através do fluxo de consciência utilizado magistralmente por Lygia, me lembrou muito de mim quando adolescente e jovem. Ninguém entende, mas na verdade, estávamos tentando nos encontrar em situações perigosas e descobrindo o quanto vale a vida. No final, o que prevalece é aquilo que somos somado ao que aprendemos em casa, com os nossos pais.
  • A casa da alegria – Edith Warthon (José Olympio, 2021): Neste romance conhecemos a história de Lily Barth, uma moça de 27 anos, órfã de pai e mãe, que vive com sua tia. Lily pertence à uma classe social alta, onde o custo de vida é caro. E, para mantê-lo, ela precisa se casar, mas, está passando da idade de encontrar um bom pretendente e não se decide por nenhum. Para custear seu estilo de vida oneroso, Lily se envolve em jogos de cartas e contrai uma dívida grande. Por ser muito atraente, alguns homens se aproveitam da sua situação e da sua ingenuidade para colocá-la em situações acachapantes, que a levarão à bancarrota. A sociedade em que Lily está inserida é baseada nos jogos de interesse, no dinheiro e na hipocrisia. Suas “amigas” não estão a fim de ajuda-la, mas sim, se aproveitam para inflamar as suas dificuldades e criticá-la em sua ausência, fazendo diversas conjecturas sobre sua conduta. O romance é ambientado na Nova York do início do século XX, quando a questão de classe social era determinante para o destino dos indivíduos. Lily é julgada por aqueles que se diziam seus amigos, condenada e cancelada por todos, vendo-se sozinha e pária da sociedade. A importância desse livro na minha vida é grande: ele fala sobre a situação da mulher na sociedade, fala sobre julgamentos prematuros do outro, sobre cancelamento e tem um final muito triste. Ele nos faz pensar sobre como a nossa sociedade continua a mesma e sobre como a mulher ainda é subjugada. Ele nos mostra as consequências do cancelamento, quando a pessoa em questão não tem nem a oportunidade de se defender. Penso que cada um de nós age de acordo com a sua consciência, porém, na maioria dos casos, as pessoas canceladas pouco fizeram de mal. As más línguas e as conjecturas daqueles que possuem uma mente doentia destroem a reputação dos outros e provocam muita dor e sofrimentos não apenas ao seu alvo, como também aos seus familiares e só quem já foi vítima desse tipo de situação sabe o que é viver sob o julgamento alheio.

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