crítica

Floradas na serra – Dinah Silveira de Queiroz

Inspirada na história de vida de sua mãe, que faleceu vítima da tuberculose, Dinah Silveira de Queiroz escreveu este romance histórico que conta a trajetória de várias jovens, que estão isoladas em Campos do Jordão para fazer um tratamento médico contra a doença que marcou o início do século XX no Brasil e no mundo. A cidade paulista era indicada para o tratamento da tuberculose devido à sua localização geográfica, que segundo os especialistas, tinha o clima ideal para a possível recuperação dos enfermos. Dessa forma, foram abertos muitos sanatórios na cidade para internação das vítimas, assim como algumas pessoas abrigavam em suas casas e pensões doentes menos graves durante sua estadia no município. Esse foi o caso da nossa protagonista, Elza, que se hospeda na pensão da Dona Sofia e lá conhece as outras hóspedes: Belinha, Lucília e Letícia.

Cada uma dessas garotas, jovens em sua maioria, traz a sua história de vida, suas vicissitudes e agruras que vamos conhecendo aos poucos, enquanto Elza tenta se adaptar à nova vida, algo que lhe é bastante penoso no começo. A jovem estava noiva e tinha uma vida promissora na capital paulista, quando de repente, veio o diagnóstico e a recomendação de isolamento para tratamento. Elza não se conformava com o seu triste destino, como se estivesse perdendo sua vida, suas oportunidades e qualquer esperança de cura. Ir para Campos do Jordão significava para ela uma morte social em vida e assim, a autora com sua maestria na escrita consegue transmitir ao leitor todos esses sentimentos complexos e conflitantes da protagonista, algo que reflete diretamente na sua relação com as colegas.

Aos poucos, Elza cria laços com as moças que vivem na pensão de Dona Sofia, ouvindo suas histórias, participando das poucas atividades que lhe são permitidas, saindo para os passeios recomendados pelo Dr. Celso, médico responsável pela maioria dos doentes hospedados em Campos do Jordão e conhecendo outros habitantes do local, sadios ou doentes também. Essa trajetória da protagonista é feita junto com o leitor, porque do mesmo jeito que Elza não conhece a perspectiva de uma pessoa jovem, cheia de vida, que de repente recebe um diagnóstico que pode significar uma sentença de morte ou de eterno isolamento, nós também não sabemos como é viver essa experiência e assim, compreendemos todo o estranhamento de Elza e tudo o que para os velhos habitantes da cidade é um lugar comum, mas para ela são grandes novidades.

Há momentos na história que são muito reflexivos, tais como um dia em que Lucília leva Elza para ver a cachoeira, na qual não poderiam nadar para não piorarem sua saúde que estava estável naquele período, mas que poderiam ver e apreciar. Ao se aproximarem do lugar, viram outras moças nadando e se divertindo a valer na cachoeira. Elza pensa em falar com elas, mas percebe que a olham de forma estranha. Lucília logo diz que Olivinha, a líder do grupo, é uma moça rica da cidade, filha de um médico conhecido de lá. Também observa que ela tem saúde e que não quer chegar perto de pessoas doentes, tem medo de se contaminar.

Nesse instante, Elza toma consciência de que ela é um risco para os outros, que as pessoas saudáveis não querem estar perto dela, pior, sentem medo dela. Esse acontecimento nos leva a pensar em como uma pessoa tão jovem lida com essa rejeição, que já é complexa para os mais experientes. Ao chegar na pensão, ela vai se olhar no espelho e então percebe como suas feições de modificaram, como está mais magra e aparenta estar mesmo doente. Tomar consciência de si e das mudanças pelas quais passamos, principalmente quando são mudanças para pior, é algo difícil de se processar e demora até que seja aceito de forma mais natural. Esse foi um dia difícil para Elza, que se recusou a descer para jantar, se isolou em seu quarto e que se sentiu deprimida por dias seguidos, até conseguir lidar com esse desconforto.

A maneira que a protagonista encontrou de se afastar um pouco da dor que sentia foi passar a observar mais as colegas e participar mais de seus dramas pessoais, torando-se uma pessoa capaz de empatia, deixando de lado as suas frustrações para ver que muito perto dela outras pessoas sofriam também, às vezes, dores ainda maiores. Ouviu a história de Letícia, que foi abandonada pelo marido que a estava traindo com a própria irmã, olhou para o lado e viu que Belinha, a mais jovem hóspede de Dona Sofia só usava roupas brancas devido a uma promessa de sua mãe e que só poderia usar cores após completar 16 anos. Percebeu como essa garota sofria por nunca ter tido a liberdade de se conhecer, de viver a sua própria história. Belinha sonhava com o seu aniversário para poder ser livre ao menos nas escolhas de suas roupas.

Elza também acompanhou a história de amor de Lucília e “Bruno”, um escritor que estava hospedado em Campos do Jordão para escrever um livro ousado, que provavelmente não seria editado. Também a ajudou nos desdobramentos ruins de seu caso de amor. Aconselhou Letícia que acreditava ter alguma chance de conquistar o Dr. Celso e que fazia de tudo para seduzi-lo durante as consultas de rotina. Conheceu Turquinha, uma moça que frequentava a pensão de Dona Sofia, estava noiva de Moacir, um rapaz que estava bastante debilitado e vivia entre internações e altas do sanatório. Passou a observar também Firmiana, a empregada da pensão, que vinha de uma família de princípios morais rígidos e que hospedava em casa pacientes que não queriam ficar no sanatório. Muitas pessoas na cidade alertavam os pais dela sobre esses hóspedes, mas eles não levavam os alertas a sério e, obviamente, a decisão de continuar hospedando doentes sem ter os aparatos necessários para o isolamento correto, terá consequências danosas para a família da moça.

Esses dramas paralelos, amores, idas e vindas na cura da doença, ora bem, ora mal fazem com que Elza se transforme, repense sua vida e passe a observar o mundo com outros olhos e sob outras perspectivas. A protagonista acaba se envolvendo emocionalmente mais do que pretendia com os problemas alheios, esquecendo-se assim das próprias mazelas. Em um de seus passeios pela cidade ela conhece um jovem pintor, que a princípio, nem lhe pareceu um dos pacientes do sanatório. Imaginando que fosse repulsiva a ele, assim como era para os outros jovens saudáveis da cidade, se afastou e foi até um tanto grosseira com ele, comportamento que passou a adotar como defesa de suas angústias causadas pela rejeição. Mas, um tempo depois, eles se aproximaram e nasceu ali um amor, uma paixão entre duas pessoas condenadas pela tuberculose.

As histórias e os dramas dos coadjuvantes do romance vão se desenvolvendo e tendo os seus desfechos quando se aproxima a partida de Elza de volta para São Paulo. Alguns morrem, outros se curam, personagens precisam continuar o tratamento em Campos do Jordão, assim como fazer cirurgias delicadas de remoção de costelas para tentar melhorar a respiração e impedir que a doença progrida. Sonhos são destruídos, enquanto novas possibilidades surgem para aqueles que conseguem a cura. Até mesmo as pessoas saudáveis têm as suas aflições e problemas existenciais, tais como o Dr. Celso, que em um momento crucial de sua carreira precisa decidir se volta a São Paulo para tentar uma carreira mais consolidada ou se permanece em Campos do Jordão, cuidando de seus pacientes tuberculosos que veem nele a única chance de salvação. A relação entre médico e paciente é bastante trabalhada pela autora, mostrando que muitas vezes a confiança no profissional da saúde faz toda a diferença para o doente.

Floradas na serra conta a história não apenas de Elza, mas de uma geração de pessoas que enfrentaram uma das maiores e mais agressivas doenças que a humanidade já conheceu. O título mostra a juventude das garotas em meio a um espaço onde existe tudo o que elas não estavam buscando naquele momento: calma, placidez, monotonia e paisagens bucólicas. Naquele tempo, em pleno auge da vida, elas preferiam o agito de São Paulo com todas as suas inúmeras possibilidades. Há também um paralelo entre o desabrochar das flores e o crescimento pessoal das personagens, que chegam de um jeito na cidade e saem completamente transformadas. Neste romance, podemos visualizar também a questão da imigração japonesa no estado de São Paulo, sua cultura e a forma de pensar oriental, que difere bastante das nossas crenças e mitos.

O mundo da moda também tem o seu pano de fundo no romance a partir da descrição das roupas das meninas e dos desejos de consumo que elas apresentam quando veem outras mulheres usando peças e tecidos que para elas ainda são desconhecidos. Dinah Silveira de Queiroz foi uma escritora brasileira muito importante e bastante perspicaz em captar os acontecimentos de seu tempo, através de um olhar minucioso para a moda, a gastronomia e os imigrantes que aqui chegavam, trazendo consigo novos paradigmas que ajudariam a construir a nossa identidade nacional. Temas que para muitos escritores não tinham tanta importância, para Dinah serviam como um pano de fundo para compor a história daqueles povos e daquela época que diz muito sobre nós e sobre os nossos fundamentos. Ler literatura brasileira é sempre um belo presente para que possamos nos compreender melhor como nação e entender aqueles que vieram antes de nós ou que compartilham conosco o mesmo tempo e espaço. Recomendo muito essa leitura a vocês.

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