Às vezes, eu tenho a impressão de que quando um ano está terminando, ou mesmo um ciclo, nós temos uma tendência a tentar finalizar coisas inacabadas, projetos abandonados, séries interrompidas e leituras paralisadas. Foi um pouco do que fiz neste mês de dezembro: corri atrás do prejuízo!
Acho que já comentei por aqui que fiz uma lista com todos os livros que eu comecei a ler e parei, mas que não retirei da estante, com a intenção de voltar a eles em algum momento. Pois é.… dessa forma, em dezembro resgatei alguns desses títulos e finalizei sua leitura. Por outro lado, comecei um livraço do qual estava gostando muito, mas que se parecia, em alguns aspectos com outra leitura que eu não queria interromper e que já estava em andamento há mais tempo. Enfim: finalizei 9 livros, sendo 5 novelas, um livro de contos e 3 romances de fôlego.
Não parei por aí: entrei o mês de janeiro com duas leituras em andamento, de projetos e séries que eu estava ansiosa por finalizar e que serão certamente grandes favoritos de 2022. Em dezembro, consegui terminar o penúltimo livro da Tetralogia Napolitana da Elena Ferrante e também o penúltimo livro de Os miseráveis do Victor Hugo. Fiquei muito feliz por conseguir ler esses livros, pois faziam parte da meta de 2021 e foram parcialmente cumpridas nos 45 minutos do segundo tempo! Mas, vamos às leituras concluídas em dezembro.
- Clara da Luz do Mar – Edwige Danticat (TAG, 2021): Este é um livro que se passa no Haiti e que conta partes da vida de muitos personagens instigantes, que vão se cruzando ao longo da trama. São histórias diversas, de pessoas comuns, mas ao mesmo tempo muito peculiares, com suas agruras, sofrimentos, dúvidas, miséria, desigualdade e fé. O enredo é muito potente, mas senti falta de um fechamento dessas histórias. Algumas me empolgaram muito, enquanto outras me deixaram entediada. A autora não se aprofunda nas tramas dos personagens, deixando tudo em aberto, como se fosse mesmo um recorte do tempo dessas vidas. A escrita de Danticat é muito fluida, gostei muito de sua prosa, só senti falta mesmo desse fechamento ou de mais tempo com alguns personagens.
- Bartebly, o escrevente – Herman Melville (Autêntica, 2015): Novela do escritor que dispensa apresentações, Herman Melville, que conta a história de Bartebly, um homem que se recusa a cumprir as ordens de seu chefe no trabalho, sem dar nenhum tipo de explicação a ninguém. Aparentemente, não há um motivo para a sua recusa e a história vai tomando um rumo bizarro, que não deixa de levar o leitor à uma reflexão. Gostei da novela, mas não amei. A escrita de Melville é muito fluida, mas, não senti vontade de ler suas outras obras por essa novela.
- Contos fantásticos – Horla e outros contos – Guy de Maupassant (LPM Pocket, 2011): Conjunto de contos de horror do escritor francês, que reúne suas principais histórias de suspense. Vários contos me chamaram a atenção e este é um escritor que pretendo ler mais em 2022. Horla é um conto que aborda a loucura, que flerta com a linha tênue entre o real e o imaginário, que discute muito as alucinações de uma pessoa e a consequentemente a sua sanidade. Como não é segredo por aqui, gosto muito de textos literários com enredos psicológicos e o Guy de Maupassant faz isso muito bem. Tem resenha sobre esse livro no meu Instagram para quem quiser conferir.
- Triste fim de Policarpo Quaresma – Lima Barreto (Antofágica, 2021): Clássico da Literatura Brasileira, acompanhamos a história de Policarpo Quaresma, um burocrata que tenta resgatar as raízes do Brasil, através de um patriotismo exacerbado, que faz com que sua sanidade seja questionada por seus colegas, vizinhos e parentes. Vamos acompanhando a sua trajetória e a forma como as pessoas o usam de acordo com suas conveniências e como ele reage a cada uma dessas ações. O livro é muito instigante, apesar da linguagem mais densa e um pouco datada. Recomendo a edição da Antofágica que conta com vários textos de apoio no final da edição, além de um apêndice de notas que fazem toda a diferença na hora da leitura e da compreensão do texto. Ainda não fiz resenha para ele. Comentem aqui se vocês querem resenha/ análise desse livro para eu escrever sobre ele.
- Minha vida – A. P. Tchekhov (Editora 34, 2013): Novela potente do escritor russo, que conta a vida de um homem, filho de um arquiteto no interior da Rússia, que resolve abandonar o emprego obtido através da influência de seu pai para se tornar um trabalhador braçal e viver de acordo com os seus ideais. O texto de Tchekhov foge totalmente do clichê: mostra as consequências dessas escolhas e a vida miserável que esse protagonista vai viver. Ele aborda também as escolhas que esse homem tem ao longo da vida e as diversas percepções delas através de olhares diferentes e de estilos de vida diferentes. A questão da causa e consequência é muito bem elaborada aqui, mesmo em um texto curto, que pode ser lido em uma sentada. Recomendo fortemente essa leitura e já fiz resenha para ela no Instagram.
- Carta ao pai – Franz Kafka (Cia das Letras, 1997): Esse é um livro que contém uma carta de 50 páginas que Kafka escreveu a seu pai em um momento de crise, quando desejava se casar com uma moça e seu genitor foi contra essa união, apontando motivos fúteis para tanto. O escritor faz um desabafo literário, colocando no texto várias passagens de sua vida até aquele momento, junto ao pai e também, longe dele, apontando em seu comportamento as consequências das atitudes do pai e do modo como foi educado. Essa carta foi publicada por seu agente postumamente. O combinado era que sua irmã a entregasse ao pai enquanto o escritor estivesse internado no sanatório, se convalescendo de uma crise de tuberculose. Entretanto, como todo bom escritor, ele a revisou diversas vezes e saiu do hospital antes de termina-la, desistindo assim de enviar a missiva ao pai. A questão é que Kafka não a destruiu, permitindo sua publicação póstuma. Também tem resenha para essa carta no Instagram.
- A queda – Albert Camus (Record, 2007): Mais um livro devastador e que nos faz pensar e repensar o nosso comportamento, escrito pelo mestre do absurdo, Albert Camus. Aqui, acompanhamos a trajetória de um homem muito metódico, que segue todas as regras, mas não consegue se envolver com as pessoas, sentir empatia pelos outros. Faz as coisas de forma mecânica, automatizada, sem nenhum tipo de envolvimento, apenas para “sair bem na fita”. Mas um dia, ele presencia um suicídio e não faz nada para impedi-lo e esse fato muda a sua percepção do mundo. A partir de então, esse protagonista de nome bastante sugestivo, Jean-Baptiste Clamence, começa a questionar o hedonismo e o absurdo da vida. Livro sensacional que logo aparecerá por aqui em resenha crítica.
- O amante – Marguerite Duras (Tusquets, 2020): Livro mais famoso da escritora vietnamita e também o mais autobiográfico, conta a história de uma adolescente que se envolve com um homem mais velho. Além do conflito em relação à diferença de idade, a autora aborda ainda questões étnicas e econômicas que vão impedir esse romance. De um lado temos o amante, de origem chinesa, muito rico e mais velho em contraponto a uma moça adolescente, de origem francesa e pobre. Essas ambivalências vão predominar na narrativa que é totalmente fragmentada, de um jeito ruim e confuso, mas que não impede a compreensão do texto, porém, deixa muitas lacunas e questões pouco trabalhadas. A autora coloca também a relação conturbada da protagonista com a mãe, uma mulher viúva, que fez um mal investimento, perdendo tudo o que tem e levando a família a uma ruína financeira e emocional. É um livro visceral, para o qual eu fiz resenha, mas não recomendo a todos os leitores.
- História de quem foge e de quem fica – Elena Ferrante (Biblioteca Azul, 2016): Terceiro volume da Tetralogia Napolitana, conta a história da idade transitória das amigas Lila e Lenu. Temos aqui os relacionamentos, os casamentos, os filhos, além dos desdobramentos dos personagens principais de Nápoles e de como suas vidas se desenvolveram ao longo dos anos. A Itália vai se modificando junto com os seus habitantes, conflitos políticos vão surgindo, facções vão ganhando força, enquanto por outro lado, o fascismo também chega ao seu apogeu e queda. Sem dúvida nenhuma, essa foi a minha melhor leitura de dezembro. Elena Ferrante reúne aqui tudo o que eu amo na Literatura: contexto histórico, enredo envolvente, personagens críveis, multifacetados, falhos, reais. Ninguém nessa história é perfeito, não tem mocinhos e vilões, todos são humanos, erram e acertam. Continuo me identificando demais com a Lenu no sentido dasreações às coisas da vida, do olhar crítico para tudo, mas com uma pitada de insegurança e de incerteza e um desejo enorme de vencer e de agradar às pessoas, uma necessidade de aprovação. Vou sentir saudades desses personagens e dessa história. Em breve, publicarei um texto sobre a tetralogia completa e as minhas impressões.