Embalada pelas excelentes leituras realizadas em dezembro do ano passado, 2023 começou muito bem no sentido de escolhas literárias. Fiz metas mais conscientes e consegui cumprir a primeira delas que é ler aquilo que sinto vontade e com calma. Observei que por participar de muitas leituras coletivas, estava sempre correndo para alcançar as metas e as leituras muitas vezes eram feitas sem o tempo que elas precisavam e assim, eu não absorvia tudo o que aquele livro poderia me oferecer. Esse mês fiz tudo diferente: fui lendo os livros sem pressa, quando um deles puxava outro, eu já o colocava na sequência e deu tudo muito certo. Consegui ler o Linha M, livro que estava na fila de leituras há muito tempo, li O amante de Lady Chatterley, apesar de todos os comentários negativos que vi sobre ele e foi uma das minhas melhores leituras do mês. Li um escritor japonês e uma escritora portuguesa. Além disso, li 7 países diferentes, finalizei livros que estavam pausados como As ondas e Com a maturidade fica-se mais jovem e segui minha saga do Em busca do tempo perdido, em um formato diferente: ouvindo o livro na Alexa – algo que funcionou super bem para mim. Mas, vamos ao resumo das leituras de janeiro.
- Linha M – Patti Smith (Companhia das Letras, 2016): Livro de memórias da cantora e escritora norte-americana, onde ela conta algumas experiências após a morte de seu marido. A autora compartilha com o leitor suas epifanias, seus momentos de reflexão, o café favorito, muitas leituras e algumas experiências de viagem. Gostei muito do livro, mas não se tornou um favorito.
- Com a maturidade fica-se mais jovem – Hermann Hesse (Record, 2018): Compilado de textos esparsos do escritor alemão, onde encontramos poemas, ensaios e narrativas que abordam o tema do envelhecimento. O objetivo de Hesse é dialogar com o leitor sobre a maturidade que a idade nos traz e como passamos a observar a mesma situação de outra forma. Ele fala também sobre a imaturidade da juventude e se mostra compreensivo com ela, afinal, um dia, o autor também foi jovem. Livro reflexivo, com alguns textos excelentes e outros nem tão bons assim.
- O sol poente – Osamu Dazai (Kindle, 2022): Novela do escritor japonês, onde acompanhamos uma mulher na faixa dos trinta anos, que está totalmente desiludida e triste por causa dos acontecimentos trágicos que destruíram a sua família. O texto é ambientado no pós-segunda guerra, momento em que o país passava por fortes mudanças e transformações. Osamu Dazi é considerado um dos maiores escritores japoneses do século XX e esse romance é um dos principais títulos do autor.
- As vinhas da ira – John Steinbeck (Record, 2022): Clássico da literatura norte-americana, conta a trajetória da família Joad em busca de trabalho e de melhores condições de vida na Califórnia, após o fenômeno Dust Bowl e a Crise de 1929. Esta foi uma releitura para mim, onde o livro cresceu muito e se tornou um dos meus favoritos da vida. Creio que As vinhas da ira está naquela lista de livros que todos deveriam ler um dia.
- Flecha – Matilde Campilho (Editora 34, 2022): Conjunto de textos baseados em mitologias ou escritos mais antigos e fatos reais, onde a escritora conta pequenas histórias, que fazem sentido para o leitor se ele tiver conhecimento de mundo para pegar as referências. O texto que mais gostei desse livro é um sobre a história real de Anna Akhmátova, uma mulher soviética que teve de queimar os seus escritos e para difundi-los, passou a recitá-los às amigas em chás inocentes, onde estas memorizavam os poemas e depois, em tempos mais livres, publicaram alguns. Não é um livro que recomendo a todos porque a possiblidade de não gostarem é grande.
- Notas para definição do leitor ideal – Alberto Manguel (Sesc Editora, 2020): Ensaios do escritor argentino, onde ele fala sobre as idiossincrasias dos leitores e o que faz de nós bons leitores. Como a maioria das antologias de ensaios, este não foge à regra: alguns textos são excelentes, enquanto outros são medianos. Gostei do livro, mas esperava um pouco mais.
- O caminho de Guermantes – Marcel Proust (Nova Fronteira, 2016): Terceiro volume da série Em busca do tempo perdido, conhecemos o outro lado da casa dos pais de Marcel, o lado da família Guermantes. Marcel se apaixona pela Sra. De Guermantes ainda garoto e, em sua juventude, tem a oportunidade de participar dos salões dessa senhora e conhece-la melhor, onde suas expectativas se frustram totalmente, ao perceber que Oriane é uma pessoa fútil, esnobe e muito chata (minha opinião). Em relação ao contexto histórico, temos o caso Dreyfus sendo discutido nos salões parisienses, o que nos leva a reflexões sobre polarização, preconceito e antissemitismo, mostrando que mesmo antes da Segunda Guerra, os judeus precisavam conquistar o seu lugar na Europa. Em breve teremos resenha sobre esse livro por aqui.
- O amante de Lady Chatterley – D. H. Lawrence (Penguim, 2010): Clássico inglês do século XX, ambientado no pós-Primeira Guerra, conta a história de Conie, uma mulher casada com um ex-combatente, que foi ferido e ficou paralítico. O casal passa a viver em uma propriedade isolada no interior da Inglaterra e o tédio domina a vida da jovem. A falta de perspectivas – tanto do período em que o romance é ambientado, quanto no foro íntimo dos personagens – faz com que ela se apaixone pelo guarda-caças da propriedade e decida viver esse amor. Livro sensacional, com muitas discussões sobre o capitalismo e a exploração da mão-de-obra, além do tema principal, que é a sexualidade feminina.
- As ondas – Virgínia Woolf (Autêntica, 2021): Romance experimental da escritora inglesa, onde ela conta a trajetória de seis amigos, desde a infância até a velhice. As tramas, as vicissitudes e os conflitos dos personagens giram em torno da morte de um sétimo integrante, que deixou marcas profundas em todos eles. É um belo livro, porém desafiador. Narrado por essas seis vozes, em fluxo de consciência, sem diferenciar as vozes por um único motivo: eles se fundem. A grande questão desse romance é investigar quem somos e como somos vistos pelo olhar do outro. Complexo e fenomenal, como todos os livros de Virgínia.
- Retorno a Reims – Didier Eribon (Aynè, 2021): Livro de memórias do autor, onde ele retorna à sua cidade natal e faz reflexões sociológicas sobre os hábitos e costumes de seus familiares que têm origem humilde, trabalhando como operários. O autor aborda temas como o determinismo de gênero e de classe, compartilha com o leitor as suas dificuldades para estudar e alcançar uma posição de destaque em sua carreira profissional, além de falar abertamente sobre sua sexualidade. Eribon faz uma reflexão profunda sobre a evasão escolar e o menosprezo que as pessoas têm em relação aos estudos, como se estes não valessem de nada. Livraço, com muitos pontos interessantes para discussão e, quem é brasileiro, vai se identificar com muitas situações que ele expõe no texto, mesmo falando da França.