vida de leitor

Leituras de Novembro de 2022

Novembro foi o mês de observar as metas que ainda faltavam para completar 2022 e tentar encaixá-las nas leituras do mês. Mas como sempre, me empolguei e comecei a ler uma porção de coisas que ficaram pelo meio do caminho. Isso serve de aprendizado para o próximo ano, lembrando que o certo é ter poucas metas e deixar tempo livre para as leituras espontâneas e para aquelas que roubam o mês, como aconteceu agora com a leitura de O idiota. Geralmente quando gostamos muito de um livro, tentamos ler outros parecidos com ele e, quando não deixamos espaço para essas obsessões literárias, nos desorganizamos e não cumprimos nem as metas e nem os nossos desejos de ler mais daquilo que gostamos. Agora é ver se em dezembro as metas de 2022 serão cumpridas com louvor ou não. Vamos aos lidos de novembro!

  • Miss Davis: a vida e as lutas de Angela Davis – Sybille Titeux de La Croix e Amazing Ameziane (Agir, 2020): HQ que conta uma parte da vida da ativista Angela Davis, dividida em duas partes: a primeira narrada por uma de suas amigas de infância, que vai abarcar a juventude de Angela e a segunda, narrada em terceira pessoa, que parte da morte dessa amiga até a prisão da ativista em 1970 e sua absolvição em 1972. A história de Angela Davis é fascinante, ela é uma figura interessantíssima e que me chama muito a atenção. Porém, a HQ deixa bem a desejar. Creio que para os leitores que não conhecem as lutas pelos direitos civis, um pouco da história norte-americana e até mesmo desconhecem a Angela, não aproveitarão a leitura dessa HQ. Ela oferece algumas pinceladas em uma história que é muito complexa e cheia de nuances que não ficam evidenciadas nessa obra. Já as ilustrações são lindas, sensíveis e fortes ao mesmo tempo. Recomendo a leitura para quem já conhece um pouco da história da ativista e quer vê-la sob outro ângulo.
  • O holocausto: uma nova história – Laurence Rees (Vestígio, 2020): Livro que conta a história do holocausto sob uma nova ótica, com depoimentos de pessoas que nunca tinham falado antes ou escrito suas memórias sobre o tema, reunidos pelo historiador e diretor de documentários Laurence Rees. A ideia desse livro é mostrar como estava a situação na Alemanha e na Europa após a Primeira Guerra Mundial e, como, através do descontentamento da população em relação à economia e à qualidade de vida, Hitler se fortaleceu, culpando os judeus tanto pela perda de poder aquisitivo na Alemanha quanto pela perda deles na guerra. A luta ideológica e a capacidade do partido nazista em despertar nas pessoas tudo aquilo que elas têm de pior dentro de si e externa-las com naturalidade é uma das discussões mais interessantes e intrigantes desse livro histórico. Foi com certeza uma das minhas melhores leituras do ano e me fez refletir muito sobre aspectos humanos da Segunda Guerra Mundial e sobre a banalidade do mal.
  • Os viajantes – Regina Porter (Companhia das Letras, 2020): Livro que conta a história de duas famílias bem diferentes uma da outra, que se entrelaçam em um certo momento da trama. Através de uma narrativa fragmentada, onde o leitor precisa juntar as informações para compreender o enredo, a autora faz uma viagem pelos Estados Unidos da década de 1950 a 2010, mostrando cenas de racismo estrutural e as dificuldades enfrentadas pelas pessoas negras. Ao mesmo tempo em que o livro tem partes muito pesadas de eventos trágicos, abordando questões muito sérias e importantes, ele tem momentos de alívio cômico para quebrar toda a tristeza da vida dos personagens. A autora também usa a literatura clássica como Shakespeare e James Joyce para compor a sua história, fazendo referências muito interessantes não só aos dois, como também a outros mestres da Literatura Mundial. Recomendo muito esse livro para vocês e já tem resenha sobre ele por aqui.
  • A inteligência e o cadafalso – Albert Camus (Record, 2018): Coletânea de 11 textos do autor, onde ele fala sobre seus escritores favoritos ou sobre aqueles que o transformaram de alguma forma. É um livro irregular, onde tem textos excelentes e outros nem tão apaixonantes, mas é Camus e sendo assim, sempre aprendemos alguma coisa ou refletimos sobre o que ele está falando em cada texto. Há escritos aqui sobre Herman Melville, André Gide, Sartre, Oscar Wilde, dentre outros nomes da literatura francesa e mundial. O que mais gosto nessa coletânea é a sinceridade do autor: ele diz que não gosta de alguns textos dos escritores célebres, também critica a postura de outros e, “gentem como a gente”, mostra que nem sempre conseguiu captar logo na primeira experiência a essência e a grandiosidade de alguns escritores. Porém, após uma revisitação à sua obra, ele conseguiu se envolver com o texto e passou a admirar o trabalho deles. A única recomendação que dou antes de lerem o livro é: sua lista de desejos vai aumentar consideravelmente.
  • Balada para Sophie – Felipe Melo e Juan Cavia (Pipoca e Nanquim, 2022): HQ que conta a história do pianista Julien Dobois, um senhor que vive isolado em sua casa, sem contato com as pessoas desde o fim de sua carreira de sucesso na música. Depois de muitos anos, ele resolve conceder uma entrevista a uma jornalista que aparece em sua porta. A HQ faz críticas contundentes ao showbusiness e à forma como o artista é explorado pela mídia e por seus agentes. Também retrata as nossas escolhas ruins e a dificuldade que temos em lidar com elas depois. É uma história um pouco clichê, porém muito bonita e reflexiva. Os traços da HQ são lindos, têm ilustrações belíssimas e muito impactantes. Recomendo fortemente a leitura.
  • Não é um rio – Selva Almada (Todavia, 2021): Novela argentina que conta a história de uma comunidade que vive próxima a um rio e que guarda muitos segredos. É difícil falar sobre esse livro sem dar spoilers, pois ele é muito curto e todas as partes do texto são importantes para a composição do enredo. A autora vai usar muitas referências sobre a questão do duplo, em diversos sentidos. Há muitas vertentes para interpretar a história, mas há um clima de suspense que permeia a narrativa até o final dela, com discussões contemporâneas sobre assuntos importantes como violência contra a mulher, estereótipos, ditadura, criminalidade, vida no campo e vida na cidade, dentre outros. Apesar de ser um livro interessante e cheio de camadas, eu não gostei da leitura.
  • O idiota – Fiódor Dostoievski (Penguim, 2022): Clássico da literatura russa, conta a história do Príncipe Míchkin, uma mistura de Jesus Cristo e Dom Quixote, que chega a Petersburgo após um tratamento para epiléticos na Suíça. O príncipe não tem parentes vivos, além de uma prima distante que ele encontra na cidade e, por diversos motivos, se envolve em uma relação próxima com ela e sua família. Há no enredo personagens inesquecíveis e disruptivos, principalmente as mulheres como Aglaia e Nastácia. Além disso, o autor discute temas atemporais e universais como religião, envelhecimento, morte, estilos de vida, cultura russa, tradição x cosmopolitismo, dentre outros assuntos interessantes e ambivalentes. É um livro imperdível, com personagens muito bem desenvolvidos e que nos levam à reflexão e à empatia. Recomendo muito essa leitura para vocês.
  • Noites brancas – Fiódor Dostoievski (Antofágica, 2022): Uma das primeiras obras do autor, onde conhecemos a figura de um sonhador, um homem solitário que ficou sozinho em Petersburgo durante um feriado de noites brancas – fenômeno que ocorre na Rússia, onde o sol não se põe por completo e as noites ficam claras – e assim conhece uma mulher que vai despertar nele uma forte paixão. É uma novela sobre desencontros e perdas, que nos mostra que a felicidade não é uma possibilidade para esse mundo. Muitas pessoas dizem que aqui temos um Dostoievski diferente. Mas eu discordo. Consigo ver a essência do escritor nesse texto, suas angústias, aflições e o seu grande desejo de compreender a alma humana. Recomendo muito esse livro para vocês, principalmente essa edição da Antofágica, que vem com vídeo-aulas e um texto maravilhoso da Natalia Timerman no posfácio.

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