vida de leitor

Leituras de outubro de 2022

Outubro, também conhecido como o mês do horror, mas que geralmente eu não faço leituras temáticas, foi bastante diferente neste ano. Devido ao curso de extensão que fiz sobre A história secreta da autora norte americana Donna Tartt, li bastante coisas relacionadas à obra, tais como contos de Edgard Allan Poe e de Sir. Arthur Connan Doyle. Também comecei a leitura de um livro de quatro novelas de Stephen King, As quatro estações; li alguns ensaios de Camus, pois ganhei A inteligência e o cadafalso de presente de aniversário e não resisti à tentação de começar a lê-lo imediatamente; e por fim, sigo relendo Madame Bovary e lendo O holocausto do historiador Laurence Ress.

No entanto, outubro não foi um mês de muita fluidez literária. Apesar de eu ter lido muitas coisas, em diversos momentos fiquei com a concentração baixa, encontrei dificuldade em me apegar às histórias, achei muitas delas fastidiosas e por isso as abandonei. Porém, conversando com outros leitores, ficou claro que fomos todos influenciados em nossa concentração devido aos eventos políticos ocorridos no país durante o mês de outubro, com o ensejo das eleições presidenciais super polarizadas, algo que mexeu com todo mundo de alguma forma.

Mas o lado bom de tudo isso foram as dez leituras maravilhosas que finalizei neste mês. Nem todas foram tão boas assim, mas tiveram alguns destaques aqui que fizeram de outubro um mês muito rico em descobertas de novos autores, reconciliação com outros e de bastante aprendizado. Acompanhei alguns projetos de Leituras Coletivas com a Duda Menezes e com a Jéssica Mattos e os livros escolhidos pela curadoria delas foram incríveis e inesquecíveis. Teve bastante diversidade também neste mês: países novos, muitas autoras mulheres e gêneros diferentes. Portanto, vamos aos livros finalizados em outubro!

  • O visconde partido ao meio – Ítalo Calvino (Cia das Letras, 2011): Novela curtinha do escritor italiano, conta uma história fantástica de um visconde que leva um tiro na guerra e assim, fica dividido ao meio. Em um dado momento, sua metade ruim volta para casa, provocando maldades e descontentamento nas pessoas. Um tempo depois, a metade boa consegue chegar em casa, causando também muito desconforto na população, pois o seu excesso de bondade termina por prejudicar as pessoas. A ideia do autor aqui é mostrar que nós não podemos ser extremistas e que nunca, em tempo algum, o ser humano será completo: ele estará sempre em formação e assim, precisa dos seus dois lados, o bom e o ruim para ser multifacetado e conseguir conviver com os seus semelhantes. História interessante, rápida de ler e que nos faz pensar bastante.
  • Os assassinatos da Rua Morgue – Edgar Allan Poe (Antofágica, 2021): Conjunto de três contos do autor que deu origem às histórias de detetives, com o protagonismo de Dupin, um investigador que não deixa passar nenhum detalhe. Os textos são compostos por descrições detalhadas dos ambientes onde ocorreram os fatos, mostrando o raciocínio lógico do detetive para desvendar o mistério. É um livro muito inteligente, com uma construção de eventos muito precisa e elaborada, mas que não me empolgou. Reconheço o valor estético da obra e sua importância para a posteridade, mas está longe de ser um dos meus livros favoritos da vida. Esta foi uma releitura para mim, mas infelizmente não cresceu como costuma acontecer ao relermos os clássicos.
  • A parábola do semeador – Octavia E. Butler (Morro Branco, 2021): Distopia escrita na década de 1990, que conta a história de Lauren, uma garota de 15 anos que enfrenta as consequências do aquecimento global, da destruição do meio ambiente e do uso exacerbado de drogas. Os Estados Unidos foram devastados e agora só sobreviverão aqueles que conseguirem se adaptar às mudanças impostas pelo universo em resposta a todos os males causados pelo homem. O mais aterrorizante desse livro é que o futuro distópico é o ano de 2025 e, tudo o que a autora coloca aqui pode realmente acontecer de verdade. Livro sensacional, cinco estrelas e que recomendo fortemente a leitura.
  • A história secreta – Donna Tartt (Cia das Letras, 2021): Romance policial com muitas influências góticas, conta a história de um grupo de seis universitários que estão à procura do sublime, de algo transcendental que dê sentido às suas vidas. Em meio a essa busca, um crime é cometido e os estudantes farão de tudo para impedir que a verdade venha à tona. Já tem resenha sobre esse livraço por aqui e a contextualização histórica dele é muito importante para a compreensão da obra como um todo.
  • As pequenas virtudes – Natalia Ginzburg (Cia das Letras, 2020): Livro de ensaios da escritora italiana que é um verdadeiro tapa na nossa cara. Nos textos dessa antologia, a autora fala sobre relacionamentos, família, comportamento humano, escolhas, crescimento, educação e muito mais. Utilizando suas experiências como judia refugiada nos tempos sombrios do fascismo italiano, ela mostra que muitas vezes, precisamos passar por sofrimentos muito intensos para dar valor às coisas banais que temos, mas não aproveitamos por acreditar que temos tempo pela frente. Já tem resenha sobre ele por aqui e foi uma das minhas melhores leituras do mês.
  • A elegância do ouriço – Muriel Barbery (Cia das Letras, 2022): Esta foi uma grata surpresa para mim em 2022! Na verdade, faz tempo que queria ler essa obra por ouvir falar tão bem sobre ela e, o livro entrega tudo o que promete. Apesar de ter um defeito que eu detesto, que é a voz igual para todos os narradores, desconsiderei esse detalhe por ter gostado tanto do enredo, das referências e das discussões filosóficas propostas pela autora. Neste romance conhecemos a zeladora Renée, que trabalha em um prédio de alto padrão em Paris, mas que foge totalmente dos estereótipos criados para essas pessoas: ela lê muito, adora Tolstói e tem um cabedal de conhecimentos invejável. Por outro lado, temos a Paloma, uma garota de 12 anos, moradora desse condomínio, que está descobrindo as hipocrisias da vida e questionando tudo o que vê pela frente. Esse livro me lembrou muito A insustentável leveza do ser do Milan Kundera e eu senti saudades dos personagens quando terminei a leitura. Recomendo fortemente esse livro a todos e logo teremos resenha sobre ele por aqui também.
  •  A filha única – Guadalupe Nettel (Todavia, 2022): Romance que tem como tema principal a maternidade real, aborda a questão sob três pontos de vista principais: a narradora Laura, que não deseja ter filhos; sua melhor amiga Alina, que a princípio não queria ter filhos, mas depois mudou de ideia e a sua vizinha Dóris, mãe de um filho pequeno, com o qual ela não sabe lidar, gerando fortes conflitos ao longo da trama. A partir dessas três mulheres, a autora mostra os desafios da maternidade, as relações entre mães e filhos, as dificuldades em educa-los, os julgamentos da sociedade e a idealização de maternidade como algo inerente à mulher. É um livro muito fluido, rápido de ler, que aborda com responsabilidade temas muito sérios e que precisam ser discutidos nos lares e nos clubes do livro. Em breve resenha sobre ele por aqui.
  • Padre Sérgio – Liev Tolstói (Cia das Letras, 2022): Novela do escritor russo, conta a história do padre que dá nome à história e que se tornou celibatário por causa de uma decepção que sofreu em relação a uma mulher, da qual ele esperava nada mais nada menos que a santidade. Ao longo da prosa, acompanhamos a sua trajetória como padre, sua fuga dos prazeres mundanos, sua recusa em pecar e o quanto tudo isso lhe custa. É um texto machista, misógino, exagerado, mas que tem explicação na biografia do escritor, devido ao momento de sua vida em que ele estava buscando respostas para sua crise espiritual. Ainda assim, Tolstói tem obras muito mais interessantes e ricas em desenvolvimento literário e de personagens mais complexos que Sérgio.
  • Herança e testamento – Vigdis Hjorth (Harper Collins, 2022): Romance da escritora norueguesa que acabou de chegar no Brasil, conta a história da narradora Bergljot, uma mulher na faixa dos cinquenta anos, que rompeu com a sua família há mais de vinte anos, alegando que eles não a respeitam e banalizam algo muito grave que ocorreu em sua infância. Após sua mãe ser internada por tomar excesso de tranquilizantes, ela precisará enfrentar o passado, pois seu irmão mais velho precisa de sua ajuda para contestar uma doação de dois chalés de veraneio, feita em vida por seus pais, que exclui os dois. Esta foi uma obra que me arrebatou. A narrativa da autora é visceral, o que me lembrou muito a Joyce Carol Oats. O leitor é colocado dentro da cabeça dessa mulher sofrida e sente junto com ela os efeitos nefastos de suas memórias caóticas e traumatizantes. Em breve vamos conversar mais sobre esse livro aqui, na resenha, pois, pontuei algumas coisas, mas esse texto aborda temas seríssimos e fundamentais para discussão.
  • Tieta do agreste – Jorge Amado (Cia das Letras, 2009): Romance de fôlego do autor baiano, que conta a história da protagonista que dá nome ao livro: uma mulher que se fez sozinha, após ser expulsa de Santana do Agreste por seu pai, ainda criança, por ter feito sexo antes do casamento. Além do tema principal, que é a história de Tieta, o autor aborda ainda a temática do meio-ambiente, mostrando a corrupção que é praticada para a instalação de uma indústria de titânio na praia paradisíaca de Mangue Seco, dividindo a cidade em duas frentes: a que defende o progresso e a que defende o meio-ambiente. O autor coloca aqui personagens memoráveis, redondos, cheios de nuances que vão se apresentando ao longo da prosa. É um romance fascinante, cheio de intrigas, de confusões, com muitos alívios cômicos para atenuar as grandes tragédias que acontecem até o final dessa história. Recomendo fortemente a leitura e em breve teremos resenha sobre ele por aqui.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *