vida de leitor

Livros de memórias – do privado para o coletivo

Desde que comecei a minha trajetória como leitora (bem cedo por sinal), me interesso muito por biografias, autobiografias e livros de memórias. Sempre achei interessante a forma como as pessoas lidam com suas frustrações, dificuldades e principalmente, como conseguem superar as adversidades da vida e seguir em frente. Acho que a Literatura no geral e em especial a literatura de não-ficção, de memórias, provocam em nós uma identificação com os sentimentos e dramas triviais, aquelas bobagens do dia a dia que parecem desimportantes ou mesmo fúteis, mas que nos incomodam e que muitas vezes nos levam a paralisia e a uma vida bem mais ou menos.

Por outro lado, algumas memórias são tão ricas que além de retratarem um universo privado, nos apresentam também a construção de uma sociedade, de uma cidade, grandes acontecimentos mundiais como fundo histórico para os dramas cotidianos das famílias daqueles tempos. Em outros casos, nos enchem de esperanças e de vontade de lutar por um mundo melhor e pela garantia dos direitos civis de todos, principalmente no tangível a dignidade da pessoa humana. Bakhtin já dizia que “as obras dissolvem as fronteiras da sua época, vivem nos séculos, isto é, no grande tempo, e além disso levam frequentemente (as grandes obras, sempre) uma vida mais intensa e plena do que em sua atualidade”. E esses livros carregam essa bagagem cultural, geralmente de uma forma muito natural, simples e palatável a qualquer leitor.

Cielo Festino, minha orientadora da Faculdade de Letras e Professora Doutora da UNIP Pós, afirma que “podemos ler tudo e qualquer coisa desde que essa seja uma leitura crítica”. Assim, podemos e devemos ler as memórias de um escritor, extraindo delas o contexto histórico e cultural, além dos aprendizados contidos em suas vivências, que podem se aproximar do leitor diretamente por identificação ou indiretamente por empatia ou simpatia. Dessa forma, indico neste post cinco livros incríveis de memórias para mexer com os nossos sentimentos e nos fazer pensar muito sobre a vida e a nossa sociedade.

  1. O Castelo de vidro – Jeannette Walls (Globo Livros, 2005): A jornalista compartilha com o leitor suas memórias de infância e juventude junto a seus pais, um casal totalmente disfuncional, que buscava a liberdade a todo custo, privando-a de uma vida digna e “normal”. Apesar de se aproximar do insólito, sua história é contada com respeito, bom humor e dignidade, mesclando a dor à beleza das ideologias e sonhos de seus pais. Um dos meus livros favoritos da vida, que li sob a curadoria da melhor bibliotecária que já conheci, Ingrid Silveira. https://amzn.to/3EzS29K
  2. Eu sei por que o pássaro canta na gaiola – Maya Angelou (TAG, 2018): A autora dispensa apresentações, mas para quem não a conhece, foi uma grande pensadora, escritora e militante dos direitos civis norte-americanos. Neste livro de memórias ela transporta o leitor para a sua infância sofrida, quando saiu da casa de sua mãe para viver com a avó e o irmão no sul dos Estados Unidos. Ela relata sob o olhar de uma criança, a criança que foi, toda a violência a que foi exposta, os abusos sofridos e os episódios cotidianos de racismo. É um livro denso, mas com uma escrita poderosa e lírica que envolve o leitor e o faz pensar e refletir muito. https://amzn.to/3xKX0iI
  3. Só garotos – Patti Smith (Cia das Letras, 2010): A cantora e escritora, artista potente e inigualável, contemporânea de Janis Joplin, Boby Dylan, Jim Morrison, Susan Sontag, Joan Didion e tantas outras pessoas notáveis e incríveis, conta neste livro de memórias sua trajetória de juventude junto a Robert Mapplethorpe, um artista e fotógrafo que foi seu melhor amigo e parceiro da vida. Após a morte de Robert, vítima da Aids, ela cumpre sua promessa de contar a história dos dois e imortaliza-la. E o resultado é esse livro lindo, que leva o leitor pela mão para conhecer a Nova York dos anos 1960 e os bastidores de um dos movimentos culturais mais marcantes do século XX. Mais um dos meus livros favoritos da vida. https://amzn.to/3EA4N4a
  4. O ano do pensamento mágico – Joan Didion (Harper Collins, 2018): A jornalista divide com o leitor nesse livro o seu período de luto pela morte repentina do marido, em um momento delicado de saúde de sua filha Quintana. Seus relatos são totalmente universais, levando o leitor à identificação com o seu sofrimento e a um sentimento forte de empatia. Livro sofrido, porém, belo, lírico e que ajuda muito quem está passando por um momento semelhante a se sentir compreendido. Além dos relatos, ela também nos leva a uma viagem pela Califórnia dos anos 1960/ 1970, mostrando a cena cultural e as mudanças da cidade de São Francisco e do estado em geral com a quebra de paradigmas e a formação de uma nova ordem mundial. https://amzn.to/3rGKrkA
  5. Anarquistas graças a deus – Zélia Gattai (Cia das Letras, 2009): A autora aqui também dispensa apresentações, mas sim, é a esposa do nosso querido Jorge Amado e neste livro de memórias ela vai nos contar sobre a chegada da sua família em São Paulo, quando a Av. Paulista nem era asfaltada ainda. A família Gattai veio da Itália para o Brasil e viu São Paulo se transformar na metrópole que conhecemos hoje. Dessa forma, aprendemos um pouco sobre as famílias de imigrantes que aqui se instalaram, construíram e transformaram a maior cidade brasileira. https://amzn.to/3rDH7X9

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