vida de leitor

Livros que amei ler, mas não são favoritos

De acordo com a Estética da Recepção, uma obra pode ser analisada a partir da leitura feita pelo leitor, ou seja, o discurso literário se constitui através da sua recepção, formando uma relação entre autor, obra e leitor. Por isso, considerando as condições sócio históricas da época, as diversas interpretações, estudos e mudanças de paradigmas, cada geração pode ver um texto de formas diferentes – algumas aprovando e outras desaprovando.

Este é um assunto bastante complexo porque antigamente, era bastante comum lermos livros de Gabriel García Márquez por exemplo, sem apontar os relacionamentos entre pessoas muito mais velhas e crianças de 13, 14 anos. Não problematizávamos isso pois, era comum, não tínhamos discernimento sobre o assunto para questionar. O que não acontece atualmente. O leitor do nosso tempo é muito mais atento às questões polêmicas e negativas das obras clássicas que as gerações passadas.

Ainda considerando o conceito da Estética da Recepção, muitos livros clássicos aclamados e muito estudados nas universidades, são unanimidades em preferências dos leitores. Muitas vezes, esse favoritismo é um pouco forçado porque alguns livros ganharam quase que uma “imunidade” e ninguém pode criticá-los ou dizer que não gostaram tanto assim, pelo simples fato de serem considerados fundamentais.

Jouve, para nos salvar desse problema e refletindo sobre o assunto, diz que podemos tranquilamente respeitar um livro, mas não o amar. Dessa forma, podemos reconhecer a genialidade e a grandiosidade de uma obra, sua importância histórica e estética, mas não sentir nenhum tipo de apreço por ele. Alguns livros podem ser importantes no sentido estético, mas não nos proporcionar emoções ou reflexões a ponto de se transformarem em favoritos.

Por outro lado, podemos amar um livro que não é perfeito em sua forma literária, é cheio de defeitos estéticos, mas que nos proporciona tantas reflexões, mexe com as nossas emoções e assim, se transformam em nossos livros da vida. E, em um mundo perfeito, podemos unir as duas coisas: um livro ser perfeito em sua forma e conteúdo, incluindo narrativa, enredo, personagens, escrita, tudo e ainda nos trazer emoções pessoais, sendo este amado e respeitado (farei uma lista sobre esses também).

O objetivo deste post é mostrar que nem sempre um livro clássico, objeto de estudo, que traz um conteúdo excelente e que sim, proporciona reflexões, nem sempre é favorito e nos traz emoções pessoais. São aqueles que respeitamos, mas não amamos. E está tudo bem em relação a isso. Ninguém é obrigado a favoritar um livro porque todos favoritaram ou amaram ou porque é um classicão. Cada pessoa faz uma leitura diferente dos livros, pois junto a esta estão contidas as experiências anteriores, o conhecimento de mundo e as condições sócio históricas do leitor. Então, aqui estão 5 livros excelentes que adorei ler, os respeito profundamente, mas não os amo.

  1. Cem anos de solidão – Gabriel García Márquez (Record, 2018): Ao terminar a leitura, tinha gostado do livro, mas faltava alguma coisa. Esta foi uma leitura coletiva com a Isa Lubrano, que tem esse como um de seus livros favoritos da vida e, ao final, tivemos uma live onde ela pontuou diversos aspectos da obra, fazendo com que ela crescesse para mim. Passei a respeitar muito esse livro, mas não posso dizer que é um favorito, sendo que, durante a leitura, ele não me despertou nenhum tipo de sentimento, impacto ou mesmo as reflexões que deveria proporcionar. Quem sabe em uma releitura ele se torna especial?
  2. O Mestre e Margarida – Mikhail Bulgákov (Editora 34, 2017): Quase abandonei esse livro umas duas vezes durante a saga da leitura. Consegui finaliza-la depois de assistir a um vídeo do “la hojas muertas y otras hojas” com spoilers para entender o contexto e as referências que o autor estava fazendo ali e que eu simplesmente não estava conseguindo compreender. Mesmo percebendo a genialidade do escritor, o trabalho de mestre, a construção dos seus personagens, não amei esse livro. Sua leitura foi complicada e uma vitória quando terminei. Respeito demais essa obra, entretanto, não é um favorito e não sei se quero reler.
  3. O morro dos ventos uivantes – Emily Brontë (Zahar, 2016): Eu acho esse livro genial, muito audacioso visceral. Porém, apesar de toda a sua grandiosidade literária, não tenho afetos por ele. Foi uma leitura rápida, objeto de muitos estudos, portanto, com diversas visões diferentes sobre ele. O fato é que ele não me despertou reflexões e não acrescentou muito em minha vida. Não me senti transformada por ele, apenas o achei perfeito, esteticamente falando. Minha avaliação para este livro foi 5 estrelas e recomendo demais a sua leitura.
  4. Grande sertão: veredas – Guimarães Rosa (Cia das Letras, 2019): Está aqui outro livro que é quase uma heresia dizer que não é um favorito. Nunca vi ninguém ler Grande Sertão e não favorita-lo. Mas, eu tive muitas dificuldades em finalizar essa leitura. Gostei muito, o livro tem passagens muito bonitas e promove uma discussão bem interessante sobre espiritualidade, medo, coragem, sobre a vida em si. Talvez, daqui a um tempo eu o considere favorito. Mas, neste momento, eu não amei o livro. Achei-o grandioso, ambicioso e muito corajoso. Também não sei se um dia vou reler Grande Sertão… Bom, essa é uma leitura recente, então, posso mudar de opinião no futuro.
  5. Lolita – Vladmir Nabokóv (Alfaguara, 2011): Acho difícil amar um livro que tem como enredo uma história de pedofilia. A escrita do autor e sua grandiosidade são evidentes. Sentimos nojo do Humbert Humbert do início ao fim da obra. Mas, não consegui me conectar com nada nesse livro, eu só queria que ele terminasse logo porque é muito incômodo. Eu gosto de livros com temáticas fortes, mas este passou um pouco do aceitável para mim. Talvez, seja pelo fato de eu ter uma filha adolescente. Então, esse tipo de narrativa mexe mais com a mãe que com a leitora. Por isso eu digo que o leitor leva para a obra a sua bagagem cultural e emocional, interferindo em suas preferências e gostos. Entretanto, o mais importante é não confundir a qualidade literária com as nossas afetividades. Tentar sempre ser imparciais neste sentido no momento de avaliar um livro nos aplicativos literários.

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