literatura

Meus clássicos favoritos – Parte 1

Confesso para vocês que comecei de fato a ler os clássicos um pouco tardiamente. Sempre fui uma leitora voraz, porém, minhas escolhas eram pelos best-sellers, destaques das livrarias, resenhas de jornais e revistas ou indicações de amigos. Como já devo ter mencionado por aqui, devo a minha iniciação aos clássicos à produtora de conteúdos para internet Ju Cirqueira. Foi a partir dos vídeos do canal dela que me interessei em ler As vinhas da ira, O morro dos ventos uivantes, os romances de Jane Austen, Alice Walker e Charlote Brontë.

Um tempo depois, pesquisando para o meu TCC da faculdade de Letras, conheci o famigerado “Por que ler os clássicos” do Ítalo Calvino, onde ele afirma que:

“(…) Isso confirma que ler pela primeira vez um grande livro na idade madura é um prazer extraordinário: diferente (mas não se pode dizer maior ou menor) se comparado a uma leitura da juventude. A juventude comunica ao ato de ler como a qualquer outra experiência um sabor e uma importância particulares; ao passo em que na maturidade apreciam-se (deveriam ser apreciados) muitos detalhes, níveis e significados a mais. Podemos tentar então essa outra definição:

2- Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-los” (CALVINO, 2007, pág. 6/7)

Calvino é bastante compreensivo com o leitor ao afirmar que nenhum de nós conseguiu ou vai conseguir um dia ler todas as grandes obras da literatura mundial. Fazemos escolhas, que são condizentes com o nosso momento e com a nossa jornada, além de dialogarem com as nossas preferências literárias. Dessa forma, tenho buscado ler sempre os livros que me chamam da estante. Mesmo participando de muitas leituras coletivas, quando uma obra não está funcionando para mim, abandono-a e parto para a próxima. E quando um livro me chama da estante, paro tudo para lê-lo, porque certamente ele será bem aproveitado naquele momento específico.

Desde que me embrenhei pela estrada dos clássicos, eles se tornaram os meus livros prediletos. Geralmente nas minhas listas de melhores leituras do ano figuram os clássicos e principalmente os calhamaços. Acredito que as minhas experiências de vida anteriores e todos os livros populares que li na minha juventude me prepararam para aproveitar ainda mais os clássicos e assim, muitas vezes, consigo perceber neles muitas semelhanças com a contemporaneidade, comprovando a teoria de que os clássicos são livros que abordam temas universais e atemporais.

Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual” (CALVINO, 2007, pág. 7)

Essa definição do Calvino corrobora aquele sentimento que temos de ler algo escrito por um gênio e que reproduz um pensamento anterior nosso, que estava guardado em nossa mente e que vem à tona com a leitura. Esses geralmente são os livros que nos proporcionam maiores reflexões e que se tornam favoritos. Portanto, os livros prediletos de um indivíduo estão totalmente relacionados a uma subjetividade que não é um lugar comum e que nunca será uma unanimidade. Ou seja, aquilo que me toca, pode não tocar aos outros.

Outro ponto que Calvino coloca e que se encaixa como uma luva nas minhas escolhas é quando ele diz que “um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer” (CLAVINO, 2007, pág. 8), estes são aqueles livros que ficam ecoando em nós após a leitura. Ou quando lemos algum trecho, paramos e ficamos pensando naquilo; ou ainda quando estamos lendo vários livros ao mesmo tempo e eles dialogam uns com os outros, fazem referências a obras anteriores, nos ajudando a compor a nossa “Biblioteca de Alexandria Particular”.

O mais legal de tudo isso é que ao passo em que vou tentando me explicar a justificar minhas escolhas de favoritos, vou relendo as definições de Calvino e é como se estivéssemos conversando: o tópico seguinte é justamente algo que acabei de dizer de uma forma pouco literária, mas que ele, gênio das palavras, consegue expressar com muito mais eloquência:

“Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes) ” (CALVINO, 2007, pág. 8)

É por isso que dizemos sempre que os clássicos são obras que marcaram gerações ou que foram responsáveis por grandes mudanças e acontecimentos. Eles vivem no imaginário popular, são referências para outras mídias e inspirações até mesmo para ações importantes. Alguns exemplos disso são a Eneida do Virgílio, que confunde a história real da fundação de Roma com a mitologia greco/ romana. Ou o adjetivo fartamente utilizado na contemporaneidade – kafkiano – para denominar pessoas ou situações insólitas e difíceis de explicar. Quantas produções cinematográficas foram criadas a partir de Orgulho e preconceito, O médico e o monstro, Frankenstein ou Drácula? Esta é uma das provas de que a literatura tem um papel fundamental na formação das sociedades e do imaginário popular.

O clássico não necessariamente nos ensina algo que não sabíamos; às vezes descobrimos nele algo que sempre soubéramos (ou acreditávamos saber) mas desconhecíamos que ele o dissera primeiro (ou que de algum modo se liga a ele de forma particular). E mesmo esta é uma surpresa que dá muita satisfação, como sempre dá a descoberta de uma origem, de uma relação, de uma pertinência. De tudo isso poderíamos derivar uma definição do tipo:

9- Os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos” (CALVINO, 2007, pág. 9)

É surpreendente ler os livros e perceber neles a origem de outras coisas que gostamos, como filmes, séries, músicas…. Ler o original, compreender o que o autor quis trabalhar em seu texto e como o fez, não tem preço. E até mesmo as produções que foram inspiradas nos grandes clássicos, crescem à medida em que somos capazes de compreender as referências citadas. Porém, nem todos os nossos clássicos prediletos são aqueles que reverberam as nossas convicções e que parecem ser uma extensão do nosso pensamento. Muitas vezes, os livros que mais nos despertam reflexões estão contradizendo as nossas certezas, estão subvertendo os nossos dogmas e, em um diálogo com o texto, somos obrigados a pensar sobre o assunto até mesmo para contestá-lo, para refutá-lo com propriedade. Esses são os livros que fazem pensar e que, de uma forma ou de outra, se tornam marcantes e favoritos para nós.

O ‘seu’ clássico é aquele que não pode ser-lhe indiferente e que serve para definir a você próprio em relação e talvez em contraste com ele” (CALVINO, 2007, pág. 10)

Ler os clássicos atualmente é quase um ato subversivo. Isso porque os tempos atuais são voltados para os prazeres efêmeros, rápidos e de fácil digestão. As pessoas buscam cada vez mais livros fluidos, superficiais, algo que recentemente foi chamado de “literatura fast-food”. Outro ponto difícil de abordar na contemporaneidade são as questões sociais e neste caso, muitos livros clássicos veem sendo cancelados por envelhecerem mal e serem taxados como preconceituosos e tendenciosos. O grande problema é que infelizmente, coisas bem ruins e desagradáveis aconteceram no passado e foram registradas. Não nos é possível apagar esse passado e fingir que nada aconteceu. Ainda assim é importante conhecer o ponto de vista daqueles que presenciaram esses eventos que hoje nos causam repulsa.

Resta o fato de que ler os clássicos parece estar em contradição com o nosso ritmo de vida, que não conhece os tempos longos, o respiro do otium humanista; e também em contradição com ecletismo da nossa cultura, que jamais saberia redigir, um catálogo do classicismo que nos interessa” (CALVINO, 2007, pág. 12)

Dessa forma, sendo a literatura algo subjetivo, que atinge a cada leitor de uma forma diferente e não havendo consenso em relação a uma curadoria perfeita, cada um de nós vai compondo a sua biblioteca, que de acordo com Calvino,

Só nos resta inventar para cada um de nós uma biblioteca ideal de nossos clássicos; e diria que ela deveria incluir uma metade de livros que já lemos e que contaram para nós, e outra de livros que pretendemos ler e pressupomos possam vir a contar. Separando uma sessão a ser preenchida pelas surpresas, as descobertas ocasionais” (CLAVINO, 2007, pág. 12)

Assim, minhas escolhas são feitas por aqueles 10 primeiros clássicos que me vieram à mente quando pensei em uma lista de prediletos. Aqueles que ecoam em mim quando leio algo que me remete a eles, ou quando vejo pessoas que se parecem com os personagens destes livros, ou quando ando pelas ruas e observo as pessoas, pensando que elas poderiam fazer parte de um romance de Dostoiévski ou de Dickens. Aqueles livros que me deram ressaca literária, que me servem de base para repensar meus conceitos de vida e de dignidade. Aqueles que nunca terminaram de dizer o que tinham para dizer, aqueles que serviram para me fazer entender quem somos e aonde chegamos. Estas são as bases das minhas escolhas que compartilho com vocês neste post.

  • Eneida – Virgílio (Editora 34, 2016): Poema épico que conta a trajetória de Enéias, um herói romano, que lutou para conquistar a “nova Tróia”, sendo que foram expulsos de sua terra. Acompanhamos suas lutas, muitas batalhas, a ação dos fados e além disso, estão presentes na obra muitos sentimentos e contradições humanas que nos fazem perceber o protagonista com outros olhos. Texto brilhante, emocionante e que traz muitas reflexões ao leitor.
  • Os miseráveis – Victor Hugo (Martin Claret, 2014): Clássico da literatura francesa, onde acompanhamos a saga de Jean Valjean, um ex-forçado que nos conduz à miséria humana em suas diversas formas, tanto a física, quanto a moral, que é a pior de todas. O autor cria neste texto personagens memoráveis que nos fazem questionar as nossas certezas, além de dar uma perspectiva das consequências das nossas ações e omissões na vida alheia. Há muitas digressões do autor no texto, algo que incomoda alguns leitores. Porém, todos deveriam ler esse livro um dia; ele é profundamente humanizador.
  • As vinhas da ira – John Steinbeck (Record, 2022): Clássico norte-americano onde acompanhamos a travessia da família Joad de Oklahoma até a Califórnia em busca de melhores condições de vida e oportunidades de trabalho, durante um período crítico da história estadunidense: a queda da bolsa de 1929 e o fenômeno climático Dust Boll. É um romance muito triste, mas que denuncia a exploração da mão-de-obra por pessoas que não possuem o menor escrúpulo em se aproveitar das desgraças alheias. Este é outro livro que considero fundamental para a empatia e a humanização pela literatura.
  • Os Buddenbrook – Thomas Mann (Companhia das Letras, 2016): Clássico alemão, onde acompanhamos a decadência da família Buddenbrook, que se apoia em valores tradicionais e aristocráticos em meio à ascensão da burguesia, composta por trabalhadores e investidores que apesar de não terem uma família tradicional, possuem aquilo que move o mundo: o dinheiro. É uma história de solidão e de isolamento, onde os personagens se perdem por não se permitirem viver de forma mais leve, com menos rigidez das máscaras sociais.
  • A casa da alegria – Edith Wharton (José Olympio, 2021): Clássico estadunidense que conta a história de Lily Bart, uma moça órfã, que precisa se casar para garantir um futuro dentro de sua classe social. Apesar de saber qual o seu destino e o que esperam dela, não consegue se decidir por nenhum pretendente, esperando o amor. Em meio a essa espera, observamos a sua decadência gradual, provocada em grande parte pelas pessoas que a cercam e se dizem suas amigas. Um dos livros mais tristes que já li, mas que mostra os efeitos da hipocrisia social na vida de uma pessoa.
  • E o vento levou – Margaret Mitchell (Nova Fronteira, 2020): Clássico norte-americano, ambientado durante a guerra de secessão, e que conta a história de Scarlett O’Hara, uma moça bastante mimada, sem noção da vida e de seus privilégios, que perde tudo ao longo das batalhas da guerra. A protagonista que não tem nada de heroína, ao contrário, torna-se uma pessoa cada vez mais desprezível, precisa se recompor e refazer a sua vida a partir do nada. É uma história impactante que nos mostra quem somos em uma guerra.
  • Oliver Twist – Charles Dickens (Editora Unesp, 2021): Clássico da literatura vitoriana, onde acompanhamos o amadurecimento de Oliver, um garotinho que foi abandonado na maternidade, ficando sob a tutela do governo. O autor aproveita a história desse protagonista para fazer inúmeras denúncias sobre a exploração do trabalho infantil, a comercialização de crianças pelas instituições e o período pós-revolução industrial, onde havia um grande êxodo do campo para a cidade, fazendo de Londres uma capital de muita miséria, onde haviam assaltos frequentes e muita prostituição. Livro maravilhoso, com um final feliz, bem no estilo dickensiano e que nos proporciona diversas reflexões.
  •  O grande Gatsby – F. Scott Fitzgerald (Antofágica, 2022): Clássico da literatura norte-americana, que conta a história de Jay Gatsby, um self-made-man que oferece grandes recepções em sua casa a fim de reencontrar sua amada Daisy. A narrativa é feita através de um personagem coadjuvante, que observa os acontecimentos da trama e assim, pode-se discutir questões universais, tais como o poder do dinheiro e das famílias tradicionais sobre os outros. O livro é bastante filosófico e nos faz pensar muito sobre o caráter humano.
  • O cupom falso – Liev Tolstói (Editora 34, 2023): História curta do mestre Tolstói, que reflete sobre as consequências de uma falsificação de um cupom de pagamento por dois adolescentes. A ideia do autor é mostrar como um cupom falso passa de mão em mão, como se fosse uma maldição e circulando entre várias pessoas, vai causando problemas sérios em suas vidas por não ter ninguém que rompa essa corrente de maldades. O conto tem várias possibilidades de interpretação, servindo como uma metáfora para a vida e para inúmeras situações do dia a dia. Sensacional e daquelas histórias de explodir a mente.
  • O idiota – Fiódor Dostoiévski (Penguim, 2022): Clássico da literatura russa, que conta a história do Príncipe Míchkin, um homem simples que sofre de epilepsia, porém, é uma pessoa muito virtuosa e que deseja o bem das pessoas. Totalmente incompreendido por todos à sua volta, termina se envolvendo em diversos conflitos, principalmente relacionados à jovem Nastássia, uma moça que teve sua reputação corrompida devido à vileza de algumas pessoas. É um livro complexo, com uma narrativa densa, porém, coloca o leitor dentro das situações propostas pelo autor, levando-o a vivenciá-las com os personagens. O final é incrível e nos faz pensar muito na vida e na humanidade sob uma outra perspectiva.

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