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Meus livros brasileiros favoritos

No dia 1º de maio foi comemorado o dia da literatura brasileira e essa data foi escolhida como o dia da nossa literatura em homenagem ao escritor brasileiro José de Alencar. Apesar de não ser muito querido dentre os leitores atuais, o autor teve um papel fundamental para a nossa identidade literária, pois aproximou os seus textos do português falado no Brasil e das nossas idiossincrasias, proporcionando ao leitor uma identificação maior com os livros escritos por brasileiros. Suas temáticas foram bastante variadas, desde os romances indígenas como O Guarani até os citadinos como Senhora, há na obra do autor uma brasilidade, mostrando o interior do país e suas capitais, o desenvolvimento industrial e econômico, o êxodo rural e os costumes dos povos originários (claro que, para aquela época, escrito por um homem branco, há estereótipos e racismo). Ainda assim, José de Alencar foi um grande nome da literatura nacional e nos apresentou uma nova forma de falar sobre o nosso país pós-colonial.

Essa tradição nos trouxe romances, contos, ensaios, crônicas e jornalismo literário de muita qualidade. Em cada produção escrita por brasileiros, conseguimos nos enxergar naqueles personagens construídos, visualizamos as nossas cidades, as nossas características comuns e aprendemos cada vez mais sobre o que é ser brasileiro. E para chegar até aqui, passamos por várias escolas literárias com os seus representantes principais, que foram os responsáveis pela produção abundante de autores e temas que a literatura brasileira abarca. A primeira delas é conhecida por Quinhentismo, que vigorou durante o século XVI, tendo Padre Anchieta como o seu principal escritor, onde eram feitos relatos informativos e textos voltados à catequese dos povos originários. No século XVII, veio o Barroco de Gregório de Matos, onde os conflitos espirituais do homem eram a matéria-prima da literatura produzida nesse período.

Já no século XVIII, foi a vez do Arcadismo, onde Basílio da Gama se destaca como um dos principais nomes. O objetivo aqui era a estética perfeita, a racionalidade e o classicismo. No século XIX, o Romantismo foi a bola da vez, onde se destacam as obras de José de Alencar e Maria Firmina dos Reis. Textos rebuscados, exagerados e com um final feliz para os justos e infeliz para os vilões. É uma escola que não agrada a quase nenhum tipo de leitor atualmente. No final do século XIX, cansados de tantas hipérboles e histórias mirabolantes do Romantismo, surge o Realismo, talvez a escola literária mais lida hoje em dia por muitas pessoas que gostam dos clássicos. Destacam-se no Brasil os escritores Machado de Assis e Júlia Lopes de Almeida, com os seus romances ambientados tanto na cidade quanto nas fazendas, mostrando a realidade das pessoas, com suas mazelas, dificuldades financeiras, além da corrupção, da hipocrisia e da vida de aparências que as famílias da elite cultivavam. Já no Naturalismo, que é uma evolução do Realismo, Aluísio Azevedo e Raul Pompéia se destacam ao mostrar com bastante crueza as desigualdades sociais no Brasil e consequentemente o atavismo que marcava a vida de muitas pessoas por não terem opções de crescimento e desenvolvimento social e econômico.

Como nem todos eram fãs do Realismo e principalmente do Naturalismo, que tinha como principal característica o determinismo (quando o sujeito é determinado pelo meio onde vive e pelas condições desse lugar), surgiu o Simbolismo, que se opunha a esses gêneros literários mais voltados à realidade, tendo como principal nome Cruz e Souza com suas poesias filosóficas, mas ao mesmo tempo pessimistas e que tinham como objetivo a luta racial. No início do século XX, surgiu o Parnasianismo com o objetivo de voltar ao classicismo, com a rigidez de métrica, abordando temas clássicos, totalmente voltados para a estética. Seu principal representante é Olavo Bilac. A partir de 1920, com a semana de 1922, começou o Modernismo no Brasil. Dessa primeira geração, temos como representantes principais Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Pagu. Depois, veio a segunda geração do modernismo, que são conhecidos como “Geração de 1930”, tendo como principais características os romances regionalistas, com críticas sociais e denúncias de abusos cometidos contra as populações mais vulneráveis. Destacam-se nesse grupo Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade e Guimarães Rosa.

A nossa literatura é muito vasta e quanto mais falamos sobre ela, mais lembramos de livros, de autores, de obras monumentais e principalmente dos livros que ainda precisamos ler para saber mais sobre esse país gigante, que tem tantas características diferentes, mas que ao mesmo tempo se voltam para o mesmo lugar: uma identidade nacional que vai do Oiapoque ao Chuí, fazendo de nós brasileiros um só povo. Pensando em todos esses temas e na quantidade de livros nacionais que já li ao longo dos meus 43 anos, resolvi fazer uma curadoria das minhas obras favoritas. Elas estão relacionadas aqui em ordem de leitura e não de preferência. Cada uma delas se tornou especial para mim por motivos diferentes: algumas por sua qualidade estética, outras por motivos totalmente subjetivos e pessoais, algumas pelos dois motivos anteriores e outras porque simplesmente são muito boas no sentido de representar o Brasil, a nossa identidade nacional e simbolizam um pouquinho de cada um de nós. Vamos aos livros escolhidos!

  • Dom Casmurro – Machado de Assis (Antofágica, 2022): Bentinho é um rapaz apaixonado por Capitu, sua vizinha e amiga de infância. Após se desvencilhar do celibato e da promessa da mãe de que seria padre, casa-se com ela e constituem família. Porém, o ciúme doentio do protagonista não o permite ter uma vida feliz e plena ao lado da esposa.
  • Grande sertão: veredas – Guimarães Rosa (Companhia das Letras, 2019): Riobaldo é um ex-jagunço que resolve contar a sua história a um viajante que passa por sua casa. Através de suas memórias, muito bem construídas, conhecemos o momento mais importante de sua vida que é marcado por uma travessia através do sertão brasileiro, onde a morte, a traição e o amor serão os grandes protagonistas.
  • Memorial de Maria Moura – Rachel de Queiroz (José Olympio, 2021): Maria Moura é uma jovem que perde os pais e ao se ver em uma situação de vulnerabilidade, resolve tomar as rédeas da própria vida e se impor em um ambiente hostil, onde só poderiam ser respeitados aqueles que causavam medo e temor nos outros. Em uma trajetória de altos e baixos, acompanhamos uma mulher à frente de seu tempo, capaz de vencer todos os inimigos que surgem no meio do caminho.
  • Éramos seis – Maria José Dupré (Ática, 2019): Lola é uma mulher brasileira que representa grande parte das mães de família do início do século XX. Com empenho e dedicação, cuida do marido e dos filhos, além de bordar panos de prato para vender e ajudar nas despesas da casa. Devido a um grande revés, provocado em parte pela economia brasileira e agravado pela Guerra de 1932, tem a sua vida devastada e um final solitário e muito triste.
  • Gabriela Cravo e Canela – Jorge Amado (Companhia das Letras, 2012): Romance histórico que conta a trajetória dos povos árabes que vieram para o Brasil em busca de novas oportunidades e se instalaram no sertão da Bahia, na época do ciclo do cacau, início do século XX. Junto aos conchavos políticos e à exploração da mão-de-obra, acompanhamos também o romance de Nassib e a selvagem Gabriela.
  • A hora da estrela – Clarice Lispector (Rocco, 2020): Macabéia é uma jovem nordestina que migrou para o Rio de Janeiro a fim de buscar novas oportunidades de trabalho e estudo. Simplória, a moça descobre na cidade as mazelas da vida e a quantidade de nãos que recebemos ao longo da nossa jornada.
  • Verão no aquário – Lygia Fagundes Telles (Companhia das Letras, 2010): Raíza é uma jovem rebelde, que foge às regras convencionais e que precisa lidar com o luto pela morte do pai, as dificuldades de relacionamento com a mãe, a perda do poder aquisitivo de sua família e uma paixão platônica por um jovem seminarista. O livro mostra um panorama do Brasil onde as famílias de classe média estavam em decadência, sob o regime militar que governava o país.
  • Crônica da casa assassinada – Lúcio Cardoso (Companhia das Letras, 2021): Após se casar com Valdo, Nina vai morar em uma chácara onde os Menezes vivem isolados do restante da cidade, guardando na memória e na casa decadente as lembranças dos tempos áureos, onde tinham poder, prestígio e dinheiro. Narrado através de 10 vozes, conhecemos a história de frustração, perda, incesto e fim de uma família que um dia foi tradicional e depois, caiu em uma derrocada, servindo como metáfora para uma geração brasileira que passou pelo mesmo percurso de decadência.
  • Banzeiro Òkòtó – Eliane Brum (Companhia das Letras, 2021): Relato jornalístico investigativo, onde a autora mostra os efeitos dos impactos ambientais provocados pela hidrelétrica Belo Monte na região do Xingu, dando voz aos povos originários que foram as maiores vítimas dessa destruição. A partir dos relatos da autora e dos entrevistados, o leitor consegue se colocar no lugar dessas pessoas e compreender como suas vidas foram destruídas pela ganância e pela ambição sem limites.
  • Incidente em Antares – Érico Veríssimo (Companhia das Letras, 2006): Em uma cidade pequena do Rio Grande do Sul, há uma greve geral, inclusive dos coveiros, impedindo que sete mortos fossem enterrados. Após a violação de um dos caixões, os mortos resolvem sair e dar um discurso no coreto da praça principal, apontando os podres daqueles que estavam acima de qualquer suspeita. Irreverente e crítico, o autor mostra como se fizeram as grandes fortunas brasileiras.
  • Domingo – Ana Lis Soares (Instante, 2021): Através de sete contos, cada um com uma protagonista feminina que se relaciona de alguma maneira com as outras personagens da antologia, a autora nos leva a um passeio pelos domingos do Brasil: desde as pessoas mais simples até as mais abastadas, cada uma delas têm as suas agruras e questões que são refletidas no dia universal da melancolia.
  • Ópera dos mortos – Autran Dourado (Harper Collins, 2022): Rosalina é uma mulher que vive isolada em um casarão de uma cidade mineira, cultivando dentro de si um espírito de vingança e de ódio contra seus conterrâneos, por terem virado as costas ao seu pai quando este tentou ser honesto em questões políticas. Um dia, chega à cidade um forasteiro que vai mudar completamente a vida dessa jovem. Repleto de metáforas interessantes e de simbologias que fazem pensar, o autor traz um retrato do Brasil do século XX, com suas hipocrisias sociais e conchavos políticos.
  • A república dos sonhos – Nélida Piñon (Record, 2015): Romance histórico e drama familiar onde acompanhamos a trajetória de Madruga e Venâncio, amigos que vieram da Espanha para o Brasil com o objetivo de “fazer a América”. Em contraponto com o outro, Madruga enriquece e se transforma em um homem de negócios, enquanto Venâncio permanece pobre e sonhador, confrontando o amigo com seus posicionamentos políticos divergentes. Além dos dramas, há um contexto histórico que abarca todo o século XX, transformando este romance em um monumento da literatura brasileira.
  • As horas nuas – Lygia Fagundes Telles (Companhia das Letras, 2010): Rosa é uma atriz decadente que está enfrentando o luto pela morte do marido, o envelhecimento, a depressão e o abandono do amante e da filha. Através de três narradores principais – incluindo o gato Rahul, uma das únicas companhias da protagonista –  a autora discute os temas do romance que são a solidão, a dependência química, a depressão, o envelhecimento, o suicídio e a morte. O texto vai além, mostrando o Brasil do século XX e suas idiossincrasias.
  • Maria Altamira – Maria José Silveira (Instante, 2020): Maria Altamira é uma jovem que nasceu junto com a construção da hidrelétrica de Belo Monte na cidade de Altamira. Seu nome é uma grande metáfora que simboliza tanto as maravilhas naturais da região quanto as mazelas causadas pela ganância no entorno do Xingu. Filha de um indígena assassinado a mando de um comerciante de madeiras e de uma peruana nômade muito sofrida, a garota vai enfrentar a vida com coragem e seguir o seu destino, ora feliz, ora triste. Junto à trama principal, há um panorama do interior do Brasil, com suas agruras e belezas, sua violência e sua hospitalidade mostrados através das viagens de Aleli, mãe de Maria Altamira.

2 thoughts on “Meus livros brasileiros favoritos”

  1. É tão significativo ver essa lista e perceber quantos livros maravilhosos produzimos por essas terras, quantas autoras e autores que fazem do nosso idioma uma língua tão nossa, com todas as camadas que só outro brasileiro entende_ e ainda representar a literatura de forma universal em seus sentimentos e humanidades. Viva!

    1. Você disse tudo, Thaís! A nossa literatura é maravilhosa e a cada livro que leio, principalmente de autoras e autores que ficaram esquecidos e vão sendo resgatados, mais eu penso que devem existir joias escondidas por aí que desconhecemos. Procuro sempre priorizar as leituras de brasileiros(as) justamente por essa conexão com a nossa história, a identidade cultural que é tão perceptível e pelo prazer de ler o texto no original. Um dos livros dessa lista nos faz agradecer por sermos brasileiros e podermos lê-lo no original, afinal, por melhores que sejam as traduções, muito se perderia nesse texto, que é o nosso maravilhoso “Grande sertão: veredas”. Viva!

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