É bastante comum transmitir nossos costumes e vivências para os nossos filhos, com o intuito de perpetuarmos a nossa história ou apenas ensinar o que já sabemos e principalmente, em uma tentativa vã de proteger nossos descendentes das agruras da vida. O problema é quando o nosso legado se chama Auschwitz e este, significa um peso grande demais para qualquer criança carregar.
Nesse livro vamos acompanhar a história de um protagonista neto de um sobrevivente dos campos de concentração, que recebeu asilo político no Brasil e refez a sua vida. Porém, não esquece dos horrores que viveu nas mãos dos nazistas. É claro que esse tipo de vivência não se apaga da mente de uma pessoa, mas, a partir do momento que esse legado é transferido aos descendentes, eles muitas vezes não sabem lidar com todo esse ódio e por fim, o peso de Auschwitz é transmitido como uma herança para as gerações posteriores e assim, aqueles que não deveriam sofrer mais com o antissemitismo, acabam carregando esse fardo de outras maneiras.
O nosso protagonista estuda em uma escola judaica pois seu pai não queria que ele tivesse de conviver com os preconceitos e discriminações que sofreria se estudasse em uma escola comum. Seus colegas são todos judeus e cheios de ódio do mundo, a maioria tem bastante dinheiro e nenhum senso de acolhida para com os outros. Eles vivem em uma bolha, protegidos das possíveis crueldades que a vida pode oferecer. O que eles ainda não sabem é que essa violência e esse preconceito do qual fogem, está dentro de cada um deles e é externada através de suas atitudes na escola e mesmo fora dela.
Como é bastante comum por aqui, as escolas particulares oferecem bolsas de estudos para alunos de baixa renda e um desses bolsistas é João, filho do zelador do colégio. Surpreendendo um total de zero pessoas, esse aluno é o alvo de todo o ódio dos demais colegas, que praticam bullying com ele o tempo todo, chegando a agressões físicas e principalmente psicológicas. Em um determinado momento, o pai de João resolve gastar todas as suas economias oferecendo um bar mitzvah – cerimônia que marca a entrada dos garotos judeus à vida adulta, realizada aos 13 anos – ao filho e convida todos os alunos da escola judaica para a festa.
Claro que esse evento só poderia terminar em tragédia. Depois de uma “brincadeira” de muito mal gosto, João tem uma queda que o prejudica bastante e não recebe nenhum tipo de compaixão por parte de seus colegas. Ele tem uma recuperação bem difícil e o nosso protagonista é o único que se aproxima do garoto por culpa. Sentimento este que ele carregará para o resto da vida. O seu período de ensino médio é bastante turbulento pois, resolve mudar de escola junto com João e lá, ele estará deslocado e será rejeitado pelos colegas, sofrerá com o antissemitismo e entenderá do que os pais o estavam protegendo.
Inicialmente, ele é bastante corajoso, porém, sofre para chegar até o final dos estudos. Sua vida adulta também não é próspera como ele desejava. Logo no início da narrativa, o protagonista está quase se divorciando da terceira esposa. Ele passa seus dias bebendo e relembrando a queda, provocando brigas sem sentido em bares, com o intuito de se autoflagelar, como se merecesse sofrer e apanhar loucamente como forma de pagamento pelo sofrimento de João. A grande questão é que agora, ele e João não têm mais contato. Ele não sabe que fim teve o amigo. Mas, o peso de Auschwitz ainda comanda sua vida e assim, ele tem sempre esse comportamento kamikaze.
Já li muitos livros que falam sobre a Segunda Guerra, principalmente, a chamada Literatura de Testemunho. Entretanto, as reflexões que Laub propõe aqui são diferentes de tudo o que já li antes. Em seu livro, ele cita muito É isto um homem? do Primo Levi. Quero ler esse livro tão famoso para entender melhor a intertextualidade entre os dois. Mas, mesmo antes de ler Primo Levi, imagino que crescer ouvindo histórias do campo de concentração acaba por arraigar um sentimento de ódio e de vingança nas pessoas e isso fica muito claro em O diário da queda (Cia das Letras, 2011).
Observei que esse livro foi indicado ao vestibular da UFRGS em um dos anos passados. E quando finalizei essa leitura, indiquei o livro para minha filha de 14 anos que gosta bastante do tema Segunda Guerra. Indiquei também ao meu marido porque considero que existem muitas reflexões sobre raça, preconceito, antissemitismo e oferece uma visão nada romantizada dos sobreviventes dos campos de concentração. Para mim, esse livro é necessário, tem o poder de humanizar e de nos fazer pensar bastante sobre as nossas escolhas e os legados que queremos deixar para os nossos filhos.