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O romance policial: principais características, importância na literatura e origens

Um dos gêneros do romance mais conhecidos pelo grande público são as narrativas policiais, de mistério e suspense. Esse tipo de prosa costuma ser a porta de entrada para muitos leitores no mundo da literatura e também são bastante apreciados pelos cineastas que desejam adaptar essas histórias para as telonas, atraindo assim sucesso de bilheteria. Mas, o que é o romance policial? Como surgiu esse gênero literário? Porque existe tanto preconceito em relação a ele? Podemos chama-lo de kitsch? É sobre isso que vamos conversar um pouquinho hoje.

O romance policial surgiu no século XIX, com o lançamento do livro A pedra da lua, do escritor britânico Wilkie Collins. Este romance faz uma ponte entre o folhetim, já bastante popular na época com um outro gênero inexistente até o momento, que seria um mistério. A trama é alternada entre templos indianos suntuosos e os tradicionais salões ingleses, onde os personagens perseguem um diamante muito precioso que carrega consigo uma maldição. Rachel Verinder ganha essa pedra em seu aniversário de 18 anos, mas logo a seguir essa preciosidade é roubada, dando início à uma corrida de suspense e mistério. Manter a atenção do leitor através do desenvolvimento dos personagens e do enredo frenético é a receita para o sucesso de Collins, que além de promover uma trama ágil e envolvente, também trabalha os aspectos inerentes aos personagens, levando o leitor à empatia por eles e à compreensão do mistério.

Apesar do grande sucesso da obra perante seus leitores, os críticos levaram algumas décadas para consagrarem esse romance como um clássico universal e atemporal devido ao seu enredo e à novidade que o autor levou ao público da época. Essa rejeição dos críticos mostra que desde os primórdios, o romance policial foi colocado como algo de mau gosto, sem valor artístico e visto apenas como literatura de entretenimento. O escritor Graham Greene tinha o costume de colocar as coisas dessa forma, até que, com a maturidade literária, retirou de sua lista de curadoria alguns romances consagrados como clássicos e os relegou à uma vala comum e elevou algumas prosas policiais ao mérito de clássicos universais e atemporais, fazendo parte do seleto grupo que chamamos de “alta literatura”.

Esses conceitos são muito subjetivos, entretanto, há um consenso sobre o que tem valor artístico e o que não tem. O que é bom e o que é ruim. O romance policial, analisado através desse consenso engessado, ainda pertence à caixinha de coisas imprestáveis ou que servem apenas para o entretenimento. Entretanto, dando continuidade à criação de Wilkie Collins, vieram os já consagrados clássicos escritores de suspense e mistério que são Edgard Allan Poe com o seu detetive Dupin, nos contos Os crimes da Rua Morgue, O mistério de Marie Roget e A carta roubada, que são considerados os percursores do gênero tal como o conhecemos atualmente. O respeitadíssimo Nathaniel Hawthorne também flerta com gênero e foi a principal referência para Lovecraft, que se dedicou à literatura sobrenatural, discutindo aspectos religiosos em suas obras, assim como Hawthorne.

Pode-se dizer que o romance policial é uma vertente dos romances góticos vitorianos. Porém, a característica principal que os diferencia, na visão de Collins é que para ele, “o mal não é causado por espíritos de outros mundos, mas pelos criminosos, e o papel do exorcista é exercido pelo detetive”. Inicialmente, a forma do romance policial consiste em desvendar o crime misterioso através de poderes quase sobrenaturais de um detetive. Até que Sir. Arthur Conan Doyle criou um dos ícones do gênero, o detetive Sherlock Holmes, que desvenda os crimes através de observações perspicazes, que poderiam ser feitas por qualquer um de nós, mas que não desenvolvemos essa capacidade de observação e perícia.

Seguindo a linha criada por Doyle, vieram os seus continuadores como Agatha Christie, Dorothy Sayers, John Dickson Carr, dentre outros que tiraram o romance policial da categoria de subliteratura. Uma das questões pertinentes ao gênero, são as ambientações inglesas ou norte-americanas. Nessas localidades, “o Direito exige sérios indícios e provas antes de a polícia prender o suspeito; mas onde as garantias da liberdade individual são menos rigorosas, onde se prende o sujeito sem maiores escrúpulos, ali o romance policial não pode florescer”. De acordo com essa definição de Carpeaux, podemos perceber claramente os aspectos da literatura de ficção policial e suas complexidades. Apesar da ambientação anglo-saxônica, eles são lidos no mundo inteiro e geram identificação nos leitores, sendo quase que uma releitura da vida moderna.

Dessa forma, fica complicado por exemplo, um romance policial ambientado em um país de regime totalitário: local onde se prende, julga, condena e fuzila de forma contundente, sem averiguações, não haveria correspondência ao gênero, nem verossimilhança na obra. Por outro lado, em sociedades capitalistas, democráticas e livres, o gênero ganhou uma nova forma com o escritor Edgard Wallace: “o mundo do autor possui três andares, em cima a política e a lei; em baixo o inferno dos criminosos e no meio o mundo humano dos homens falíveis, dos suspeitos e inocentes e dos detetives”. Esse padrão é quase infalível, mas não representa mais a nossa sociedade caótica e líquida do século XXI. Ainda assim conseguimos aprender muito com os romances policiais e com as histórias de detetives, principalmente quando a criminalidade está em alta e os ambientes de miséria, corrupção e delinquência são visíveis nas grandes cidades do mundo. O que mais acontece no dia a dia são crimes que precisam de solução, nem que seja apenas na ficção.

Outro ponto importante desse tipo de narrativa são as questões psicológicas tratadas pelos escritores. Para tanto, é preciso muita pesquisa e muito estudo para denunciar por exemplo o vício em drogas, os abusos, a exploração sexual e até mesmo a psicopatia de alguns criminosos. Dessa forma, outros gêneros literários flertam com o romance policial ou mesmo vieram dele. Para Carpeaux, Bioy Casares, em seu romance A invenção de Morel apresenta aspectos da ficção científica, mas também da ficção policial. Para ele, “o autor também realiza a principal ideia filosófica de seu amigo Jorge Luis Borges, no seu notório Ficções, onde ele mescla um gênero filosófico à maneira francesa, a ficção científica e às vezes, o conto policial. Os labirintos circulares e as trocas de personalidade de Borges são expressões de uma filosofia mais misteriosa que os romances policiais”.

Dessa forma, pode-se afirmar que o romance policial tem o seu valor literário e artístico e que não precisa de uma fórmula exata para acontecer. Cada escritor vai descobrindo o seu caminho, utilizando as suas referências e produzindo textos que vão crescendo junto com os leitores e nos proporcionando tanto reflexões quanto denunciando o que há de errado, absurdo e inadmissível na nossa sociedade contemporânea. Concordo que há enredos terríveis, crimes que não fazem sentido na trama ou mesmo exageros nas cenas escatológicas e gráficas. Mas essa não é uma exclusividade do romance policial. Podemos encontrar essas características pejorativas em qualquer outro gênero literário. Ao passo em que existem também escritores sensacionais do gênero e que merecem o nosso respeito, análise crítica e que futuramente podem ser alçados ao cânone da alta literatura, lugar que atualmente ocupam os clássicos do gênero.

Após essa contextualização sobre o tema, indico para vocês os cinco últimos romances policiais que li e que considero interessantes para quem deseja se aventurar mais por esse gênero literário.

  • Outsider – Stephen King (Suma, 2018): Um homem de moral ilibada, considerado por todos uma pessoa acima de qualquer suspeita, é acusado de matar e violentar um adolescente próximo à sua casa, baseado em provas contundentes. O problema é que o acusado não estava na cidade no dia do crime. https://amzn.to/353KFJS
  • Menina má – Willian March (Darkside, 2016): Mãe e filha se mudam para uma cidade muito tradicional do interior dos Estados Unidos, enquanto o marido está trabalhando em outro país. O comportamento da pequena Rhoda Penmark chama a atenção das professoras e da vizinhança, levando sua mãe a uma investigação dolorosa e muito complexa sobre o caráter da filha. https://amzn.to/3rTVdo4
  • A honra perdida de Katharina Blum – Heinrich Böll (Carambaia, 2019): Uma mulher é acusada de cumplicidade em um crime com base em uma simples saída para dançar, onde conheceu um homem que era foragido da justiça. Com a sua honra e caráter maculados pela calúnia e por suposições maldosas dos vizinhos, ela precisa provar a sua inocência. https://amzn.to/3gRjynY
  • O assassinato de Roger Akroyd – Agatha Christie (Globo Livros, 2014): Um homem é encontrado morto em seu escritório e as circunstâncias sobre o seu assassinato são um tanto quanto controversas. Sua sobrinha, desejando descobrir a verdade e inocentar o principal suspeito, que é o seu namorado, contrata os serviços de Poirot, que vive na cidade curtindo sua aposentadoria e plantando abobrinhas nessa pacata cidade do interior da Inglaterra. A autora planta pistas o tempo todo ao longo da narrativa, levando o leitor a um jogo muito inteligente de detetive. https://amzn.to/3JqNt2O
  • Longo e claro rio – Liz Moore (Trama, 2021): Acompanhamos aqui a longa busca da policial Mickey por sua irmã desaparecida Kacey, que é viciada em drogas. A ambientação desse romance é feita na cidade da Filadélfia, onde a autora leva o leitor até o submundo das drogas opióides e mostra a degradação da cidade através das descobertas da polícia sobre o desaparecimento de Kacey. É um grande romance contemporâneo, que discute muito mais que uma investigação criminal, mas que imerge na vida dos personagens, desenvolvendo-os de forma crível e verossímil. https://amzn.to/36qklut

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