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Redes sociais: espaço de convivência e interatividade ou terra de ninguém e lugar de ódio?

Já faz algum tempo que venho refletindo sobre o nosso comportamento nas redes sociais. Mesmo antes de surgirem tantas novas ferramentas e modos de interação, já percebia uma certa hostilidade por parte dos internautas em relação a muitas coisas e a alguns conteúdos específicos. Sou totalmente aberta à liberdade de expressão e a vejo como um direito humano. Porém, é preciso ponderar onde termina a sua opinião respeitosa e começam os ataques de ódio e de cancelamento; onde termina o espaço de convivência e inicia-se o campo minado de cyber-bullying e de opressão. É preciso pensar e conversar sobre isso porque até o momento, há um número enorme de vítimas das redes sociais que não conseguem lidar com os sentimentos provocados por pessoas irresponsáveis e que por isso estão em depressão e tentando cometer suicídio. Isso sem contar aquelas tantas que obtiveram êxito em se matar por falta de likes ou devido aos cancelamentos injustos.

A escritora Letícia Cais Chieppe Carvalho em seu livro Gira o livro, nos lembrou qual a função das redes sociais quando foram criadas há mais ou menos duas décadas atrás: aproximar as pessoas que se gostam e que se encontram distantes geograficamente. No início era maravilhoso encontrar aqueles amigos perdidos de infância que moram fora do Brasil ou em outros estados; também poder conversar com os nossos parentes distantes sem pagar taxas absurdas de ligações interurbanas. Entretanto, pouco tempo depois começaram as falas inoportunas e indevidas, que beiravam a falta de educação. Tudo isso porque achamos que é preciso interagir com tudo o que aparece no nosso feed das redes sociais. O que não é verdade: podemos ler algo, pensar sobre e não expressar nenhuma opinião a respeito.

Mas e o posicionamento? Como fica? Será mesmo necessário se posicionar em relação a tudo? E quando não somos especialistas em determinado assunto? Vamos nos posicionar e passar vergonha? Porque não ouvir um pouco mais as pessoas e aprender mais com elas no lugar de criticá-las à toa? Digo isso porque ontem à noite me deparei com uma aberração que me motivou a escrever esse ensaio: uma pessoa enviou um direct para uma professora de francês e literatura, chamando-a de embuste por “supostamente” ter um mestrado em Literatura, receber por parcerias com editoras e nunca ter lido Roberto Bolaño. Seria cômico se não fosse triste. Eu me perguntei em qual livro de Teoria Literária está escrito que para trabalhar como crítico literário ou para falar sobre literatura é preciso ter lido a obra de Roberto Bolaño. Eu particularmente não li nenhum livro desse escritor, do qual já ouvi falar muito bem e tenho muita vontade de conhecer sua obra. No entanto, sou crítica literária e me sinto apta a analisar obras sem ter lido Bolaño.

Essa mesma produtora de conteúdo já recebeu insultos de seus seguidores por estar, na opinião deles, despenteada e sem maquiagem nos stores do Instagram. E também por pronunciar a língua francesa de forma correta. Segundo algumas pessoas, a pronúncia dela soa arrogante e as incomoda. Eu mais uma vez me pergunto: será que devemos jogar todo o nosso conhecimento e estudo no lixo para não oprimir as pessoas que nos seguem? Neste caso, um advogado, médico, cabelereiro, que estudaram os mesmos anos que nós estudamos francês, inglês, português, literatura devem fingir não dominar o conhecimento das leis, da anatomia, da coloração e cortes de cabelo para não soarem arrogantes? Lembrando que se trata da profissão da pessoa. Então, sigam-na quem quiser. Se não gostam desse conteúdo, saiam. Veja bem: o problema não está nela, nem na sua pronúncia de francês ou na sua falta de maquiagem e de escova; mas sim nos seguidores que se sentem ofendidos por tão pouco.

Aliás o melindre é a palavra da vez nas redes sociais. Os seguidores esperam de seus produtores de conteúdo uma perfeição que não é humana. Então, eles devem estar sempre a postos para responder as perguntas feitas no direct; ao mesmo tempo eles também devem produzir conteúdo o tempo todo, aparecer nos stores todos os dias (lindos e maravilhosos, escovados e maquiados para não incomodar ninguém) e por último devem legendar os stores com a nova ferramenta de legenda simultânea. Aí pensamos: as legendas são importantes para a inclusão digital. Só que não. A maioria das pessoas que praticamente exigem essas legendas são aquelas que podem muito bem escutar os stores. Há outras situações envolvidas, tais como o período puerpério, o fato do seguidor estar em um local público e não poder ligar o som, dentre outros. Mas, legendar simultaneamente um store dá um trabalho enorme ao produtor de conteúdo e não é valorizado por muitas pessoas, que sempre têm uma “crítica construtiva” a fazer. Ah, além de tudo isso o produtor de conteúdo também deve ler Bolaño, principalmente se ele fala sobre literatura!

É cansativo receber tantas cobranças de perfeição e aprimoramento. É como se a pessoa que está do outro lado não tivesse mais o que fazer, recebesse um dinheiro fácil e não correspondesse a esse “benefício”. Pensam também que esses produtores não estão indo atrás de novos conhecimentos e que ficam parados no tempo, ganhando sem fazer nada. Colocam tudo como se fosse simples e fácil e fútil. Quando enviam uma ofensa à outra pessoa, não param para pensar nas consequências disso tudo e se sentem ofendidos quando alguém fala abertamente sobre esses comentários infelizes enviados por direct.

Uma outra produtora de conteúdo que sigo fez um discurso outro dia sobre autonomia e respeito nas redes sociais. Ela questionou os seguidores que fazem perguntas que já foram respondidas antes ou que eles poderiam achar facilmente em stores anteriores ou no próprio vídeo no YouTube. Ela foi bastante educada ao falar e nos alertou para a nossa desatenção em relação ao que consumimos na internet. De acordo com ela, autonomia é liberdade e eu concordo demais com esse pensamento, porque se dependemos dos outros para ter conhecimento e informação, não vamos nunca sair do lugar e nunca seremos livres e teremos um pensamento crítico de verdade.

Voltando a atenção ao internauta comum, que não produz conteúdo e apenas se relaciona com amigos e familiares nas redes, percebemos também uma grande polarização de ideias e uma forte intolerância em relação a esse tipo de relacionamento virtual. Nas últimas eleições presidenciais, vimos amigos e familiares brigarem feio por causa de posicionamento radical político. Vemos todos os dias pessoas falando sobre assuntos que desconhecem, de forma desrespeitosa e se posicionando de forma agressiva em relação aos outros, instigando o ódio e o cancelamento. Isso sem falar sobre os diversos julgamentos que recebemos todos os dias de nossos amigos, parentes e colegas por causa de uma postagem, um livro que lemos ou uma série/ filme que assistimos. Somos julgados pelo que comemos, falamos, fazemos e vestimos. E isso é muito preocupante.

Outro ponto que deve ser refletido de forma analítica são os likes e deslikes. Quando o Facebook surgiu com a ideia do deslike, fiquei bastante preocupada com as consequências dessa ferramenta. Existem pessoas que baseiam a sua vida, a sua existência e a sua popularidade devido ao número de curtidas em suas fotos. Imagine se essa opção de “não curti” estivesse disponibilizada nesse aplicativo? Outra questão pertinente é sobre o significado de curtir uma publicação no Instagram: quando vejo uma notícia do G1, com a manchete “Brasil chega aos 600 mil mortos por Covid”. Eu não curto essa notícia; mas se eu aperto o coraçãozinho por causa da informação que obtive do G1, significa o que? E se eu não aperto o coraçãozinho porque é impossível curtir algo tão horrível, a página deles perde engajamento. É um sistema perverso do qual fazemos parte.

Mantenho minhas redes sociais para conversar com os meus amigos e familiares, saber sobre eles e para obter informações sobre os meus interesses e hobbies. Publico os livros que leio e as resenhas e artigos e ensaios que escrevo aqui nelas. Mas, procuro pensar um milhão de vezes antes de comentar publicações dos outros ou principalmente antes de enviar um direct para uma pessoa que eu apenas sigo por admirar o seu trabalho. Sei que essa pessoa tem mais o que fazer (além de se pentear, se maquiar, pensar como pronunciar a língua francesa sem oprimir ninguém, legendar os seus stores manualmente e ler Bolaño). Por isso, penso que precisamos repensar o nosso comportamento nas redes sociais. Elas não são terra de ninguém e sempre existe alguém atrás dos aparelhos de celular ou dos computadores que vão receber essas mensagens e ficar com elas por um tempo. Pensem que nós temos dois ouvidos e uma boca; ou seja: ouça mais e fale menos. Se não tiver nada importante ou fascinante para dizer, guarde para você. Ninguém é inferior ou menor ou idiota por não falar tudo o que pensa sobre todos os assuntos possíveis em uma rede social.

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