literatura

Sagacidade, inteligência e criatividade nas obras de Agatha Christie

Conhecida como “Rainha do Crime”, a escritora britânica Agatha Mary Clarissa Miller, popularmente chamada de Agatha Christie, escreveu mais de oitenta livros, dentre estes, contos, romances, peças de teatro e poesias. É a escritora mais vendida no mundo depois de Shakespeare e da Bíblia. Agrada diversos tipos de leitores, desde os iniciantes e jovens até os grandes leitores maduros. O segredo do sucesso dessa mulher está na simplicidade de seu texto, que na verdade esconde uma genialidade e um poder criativo e linguístico que é percebido por aqueles leitores mais atentos e que não desprezam o bom romance policial e a capacidade de escritores em contar boas histórias.

Para algumas pessoas, o romance policial é considerado “literatura menor” ou “não literatura”. É triste pensar que ainda hoje, existe esse tipo de preconceito e diferenciação entre as produções literárias, sendo que esse gênero do romance é um dos que mais forma leitores no mundo inteiro. Agatha Christie foi uma das pioneiras em criar desfechos impressionantes e inesperados em suas obras, deixando um forte legado que até hoje permite ao leitor a imersão em suas obras e desperta o interesse de jovens e até mesmo de crianças.

As histórias de detetives, principalmente no caso de Agatha, que criou vários deles, com personalidades e características próprias e diferentes uns dos outros, são as mais interessantes para quem está começando a ler. A tentativa de descobrir o assassino, os métodos investigativos e as perseguições dos detetives são todas baseadas em raciocínio lógico, constituindo excelentes recursos cognitivos para as crianças. As tramas ardilosas, a ambientação sombria e o clima de mistério dessas obras são as grandes responsáveis por prender a atenção do leitor e fazê-lo imergir no livro. E isso definitivamente não significa que essas histórias são vazias ou superficiais.

Agatha Christie se mostrou ao longo de seus aproximadamente 50 anos de carreira que foi uma grande conhecedora da alma humana. Suas histórias foram baseadas em suas observações do mundo e do comportamento das pessoas à sua volta. Nascida em 1890, filha de um americano com uma europeia, Agatha foi educada em casa, por sua mãe, diferente de seus irmãos que frequentaram a escola desde pequenos. Apenas aos 16 anos ingressou em uma escola em Paris. Após a morte do pai, viajou o mundo com sua família e assim conheceu muitas culturas diferentes, ampliando o seu conhecimento sobre o ser humano. Todas essas experiências e vivências contribuíram para os seus enredos, tramas complexas e crimes arrebatadores.

Aos 24 anos casou-se com Archibald Christie (de quem herdou o sobrenome famoso), que era piloto do Corpo Real de Aviadores. Enquanto o marido lutava na Primeira Guerra Mundial, Agatha trabalhou como enfermeira em um hospital e depois em uma farmácia. Dessa forma, adquiriu muitos conhecimentos sobre venenos, sendo esta uma das formas mais emblemáticas dos assassinatos em seus livros. Essa característica dos crimes, gerou um padrão que a autora aborda muito em suas obras: o assassinato em família. Muitos de seus romances são ambientados dentro de mansões, onde o assassino só pode ser alguém de dentro de casa. Para trabalhar e desenvolver esse tipo de enredo é preciso muita habilidade para elaborar os sentimentos humanos que levam alguém a matar um familiar.

Entretanto, não é segredo para ninguém que existe muita hipocrisia e muitos jogos de interesses dentro das famílias. Principalmente quando consideramos a época em que os romances da autora são ambientados. O isolamento (característica forte dos romances ingleses, devido à localização geográfica do País), as grandes heranças, o desejo de liberdade, as regras rígidas impostas pela sociedade inglesa, a inveja, o rancor, a ambição desmedida e os casamentos por interesse são os gatilhos para a maior parte dos crimes narrados pela escritora. O mais triste nisso tudo é que infelizmente, cenas muito parecidas acontecem todos os dias no mundo inteiro. Este é um dos motivos da atemporalidade e da universalidade do principal tema abordado por Agatha: os conflitos nos relacionamentos humanos.

Suas obras principais e mais conhecidas são clássicas. Já foram adaptadas muitas vezes para o cinema e ainda hoje vendem muito e surpreendem os leitores. A obra mais famosa da autora, E não sobrou nenhum vendeu mais de 100 milhões de exemplares no mundo inteiro. Em 1952, uma de suas peças mais importantes, A ratoeira, estreou no Ambassadors Theater. Em 1974, foi transferida para o St. Martin’s Theater, onde é exibida até os dias atuais. Ao fim do espetáculo, o diretor pede aos presentes que não contem o desfecho da obra para outras pessoas, como uma forma de manter o mistério, permitindo uma experiência perfeita a todos que desejarem assisti-la. A peça está em cartaz há 46 anos. Só este fato mostra a potência da obra da autora e a sua genialidade.

Em 2015, com o ensejo dos 125 anos da escritora, o site oficial de Agatha Christie abriu uma votação aos seus leitores do mundo inteiro para escolher a obra prima da autora. Cada um votou em seu livro favorito da romancista. O eleito foi O assassinato de Roger Ackroyd, uma história surpreendente, muito bem elaborada e que mostra a habilidade narrativa de Agatha, o jogo que consegue fazer com as palavras, o profundo conhecimento linguístico e a sua compreensão da alma humana. Um clássico da literatura policial.

Uma das marcas registradas da escritora são seus personagens icônicos, com personalidade própria, inconfundíveis e que seguem em uma construção constante. Ler a obra de Agatha em ordem cronológica permite ao leitor acompanhar o desenvolvimento, o crescimento e o fim dos detetives mais famosos da literatura mundial: Hercule Poirot, Mrs. Marple, Tommy e Tuppance, Parker Pyne, Adriane Oliver e outros detetives ao acaso. A romancista também apresenta uma preferência por ambientações em vilarejos pequenos, onde há muita fofoca, e que a maior parte dos personagens se conhecem. Os crimes narrados por ela sempre são motivados, nunca ao acaso.

Através de uma escrita fluida, mas não simplista, com o clima de mistério permeando o enredo, Agatha coloca uma naturalidade muito grande nas ações dos personagens, apresentando ao leitor pistas obvias, mas que são imperceptíveis devido à sua grandiosidade criativa, conhecimento linguístico, sagacidade e ao jogo de palavras, que é um dos artifícios mais legais da autora. Outra característica pioneira de Agatha foi a criação de um perfil do criminoso nos livros, a fim de justificar o assassinato. Este recurso, posteriormente, passou a ser utilizado pelo FBI, em uma tentativa de entrar na mente dos criminosos.

A autora, em sua autobiografia, afirma que é difícil não começar a escrever sem utilizar-se de algo já escrito. Ela cita como suas maiores referências literárias Sir. Arthur Conan Doyle, Sir. Walter Scott, Charles Dickens, John Milton, Alexandre Dumas, Jane Austen e Lewis Carroll. Ela diz, sobre a escrita que “é um grande conforto para pessoas como ela, que estão inseguras sobre si mesmas e que têm dificuldades para expressar-se corretamente”. Essa afirmativa mostra que quanto mais aprendemos, mais temos a aprender, “sei que nada sei”. Assim, seus personagens são sempre complexos, profundos e próximos à realidade.

Os principais romances de Agatha Christie são O assassinato no Expresso do Oriente, E não sobrou nenhum, O assassinato de Roger Ackroyd, O misterioso caso Styles (primeiro romance da autora), Cai o pano (desfecho do Caso Styles) e Morte no Nilo. Para a escritora, suas melhores histórias são A casa torta e Punição para a inocência. Várias editoras brasileiras publicam os livros de Agatha Christie. Atualmente, a Editora Harper Collins está lançando vários títulos em edições de capa dura e com novas traduções. A Editora Globo tem o direito de publicação de alguns outros títulos também. E a Editora LPM Pocket possui um vasto catálogo das obras da escritora.

Em 1971, a Rainha Elizabeth II condecorou Agatha Christie como Dama-Comendadora da Ordem do Império Britânico, título equivalente ao Sir, como Arthur Conan Doyle. Ela também está no Guinness Book of World Records como a escritora mais vendida do mundo e com a peça de maior duração do mundo, A ratoeira. Em 2012 foi inaugurada uma estátua em sua homenagem em Convent Garden em Londres. O local se transformou em ponto turístico da cidade e faz parte do grande legado da escritora.

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