crítica

Se Deus me chamar não vou – Mariana Salomão Carrara

Logo que vi esse título, senti vontade de ler o livro. Fiquei pensando no que encontraria nas páginas de uma narrativa com um nome tão sugestivo assim e principalmente, no significado dessa metáfora. Imaginei que pudesse se relacionar à morte, ao luto, mas o que esse texto nos traz é uma enorme reflexão sobre a vida, o cotidiano, os silêncios entre as pessoas e principalmente, um chamado para voltarmos o nosso olhar para as crianças e os idosos. Esse livro fala sobre solidão.

Maria Carmem é uma menina de 11 anos, fora dos padrões considerados como “normais” para crianças dessa idade e por isso acaba sendo uma pessoa muito solitária. Seus pais, que estão na faixa dos trinta e poucos anos, possuem uma loja de artigos para idosos, a qual eles detestam, mas que garante o sustento da família dentro de um certo conforto. Eles não têm mais filhos e são um casal bem típico dos nossos tempos: aparentemente muito ocupados, infelizes com o seu trabalho e condição financeira, ambiciosos, reclamões, valorizam muito a estética e a opinião dos outros e vivem no celular. Já Maria Carmem, é uma menina doce, muito observadora, contemplativa e que busca compreender melhor a alma humana.  

A narrativa se passa em um grande centro urbano brasileiro, o que me lembrou bastante a região central de Belo Horizonte, da época em que morava lá, há uns vinte anos. Mas pode ser qualquer cidade grande do Brasil, onde passam muitas pessoas todos os dias, vivendo suas vidas, indo e voltando do trabalho, e que ao mesmo tempo em que possuem uma individualidade, são apenas mais um na multidão. É a partir dessas observações e de suas vivências que Maria Carmem vai nos contar muitas histórias através de seu diário.

As epístolas ou entradas diárias de textos são uma forma de extravasar nossos sentimentos, quando não temos com quem conversar ou com quem falar sobre as nossas angústias ou mesmo reflexões e no caso de Se Deus me chamar não vou (Nos, 2019) foi a melhor escolha possível para a narrativa. Quando utilizamos a voz de uma criança para contar histórias tristes, muitos acontecimentos, que para nós adultos são triviais, aos olhos de uma criança, eles ganham significado maior, mais amplo e mais humano. Os clientes da loja dos pais de Maria Carmem, que para eles são apenas compradores, desconhecidos, na voz da menina, ganham vida, são pessoas que estão sofrendo e que a última coisa que gostariam de fazer seria entrar ali e comprar um pacote de fraldas geriátricas.

Essa sensibilidade do olhar permeia toda a narrativa de Carrara. Os desconhecidos passam a ter uma história, sentimentos que ninguém vê por estarem de olho no celular. A avó, que mora sozinha e que por causa da idade precisa de cuidados e de companhia, é observada pela neta que percebe a sua solidão e abandono. Cansada de ver os pais reclamarem o tempo todo da falta de dinheiro e da morosidade das vendas, ela tenta “resolver” o problema contratando um coaching, ideia que a princípio parece boa, mas que vai causar uma grande adversidade em casa. As observações de Maria Carmem vão além, ela capta o vazio das pessoas e compara todos eles à sua própria solidão.

Além de todo esse contexto urbano, os diários da menina vão revelar também diversos abusos que ela sofre na escola. A prática constante de bullying dos colegas, as brincadeiras de mau gosto e principalmente, a omissão da instituição escolar, dos professores e de seus pais. A cada fato, ela se sente mais humilhada e mais sozinha. O que é bonito de acompanhar, apesar de doloroso, é que em momento algum, Maria Carmem pensa em desistir. Mesmo sabendo o quanto está sendo negligenciada, ela acredita nas pessoas e continua lutando para ficar bem, tentando resolver todos os problemas sozinha, sem causar mais um aborrecimento aos pais que já parecem cansados o bastante.

Mas, e o título? O título é uma das metáforas mais bonitas que li até hoje. Ela surge através da morte de um idoso no prédio de Carmem, que vivia sozinho e passa dias dentro do apartamento, sem que alguém o encontre. Seus pais explicam que Deus o chamou e por isso ele precisou ir. Mesmo diante da dor do abandono, ela ainda diz se fosse com ela, gritaria, gritaria bem alto para que a ouvissem. Não morreria sozinha e ficaria ali por dias. “Se Deus me chamar, não vou”

O livro foi um dos finalistas do Prêmio Jabuti no ano passado e conquistou muitos leitores. É uma ótima opção para trabalhar nas escolas com os estudantes do Ensino Fundamental, abordando temas atuais e dilemas da vida moderna com base na reflexão e com o olhar sagaz de uma criança.

2 thoughts on “Se Deus me chamar não vou – Mariana Salomão Carrara”

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