literatura

Sylvia Plath: um mito ou apenas uma mulher comum?

Ainda hoje, 2021, a doença mental é um assunto tabu na nossa sociedade. Muitas pessoas se envergonham de seus parentes que possuem algum problema nesse sentido e outras tantas não percebem a gravidade da situação daqueles que vivem em uma montanha russa de sentimentos: ora bem, ora em uma depressão profunda. Esta foi a breve vida de Sylvia Plath: uma mulher talentosa, intensa, com uma grande vontade de viver, mas calada pela depressão.

A escritora nasceu em Massachusetts, no ano de 1932. Filha de Aurélia e Otto Plath, viveu no interior durante a infância e a juventude, até ingressar na Smith College em Nova York. O pai faleceu quando a poeta tinha oito anos, causando-lhe um forte trauma e fazendo-a perceber a fugacidade da vida. Em sua juventude, o pai se transformou em uma figura mitológica, inalcançável e perfeita. A mãe por outro lado, passou a ser uma “portadora de más notícias” e a culpada por todos os entreveros de sua vida.

Após se mudar para Nova York com o objetivo de cursar uma universidade, os hábitos da cidade grande não foram mimetizados por Plath logo de cara. Na verdade, a poeta se sentia uma outsider na universidade, alguém que não via sentido em frequentar as fraternidades, beber até cair e jogar cartas que lhe pareciam idiotas. Ao mesmo tempo, ela queria ser uma pessoa popular, queria ter os holofotes do lugar e chamar a atenção por sua inteligência e beleza. Entretanto, não era o que de fato ocorria: para ser popular, uma estudante universitária precisa participar das farras e ter muitos amigos, algo que faltava a Sylvia.

Outra coisa que faltava a ela era a estabilidade mental: Plath estava sempre em um limbo, entre a loucura e a sanidade, parecendo uma pessoa estranha e indecifrável para as colegas de quarto. Em um certo momento ela começou a se corresponder com uma pessoa, que se tornou um grande amigo, mas, em suas fantasias, todas as pessoas de sua convivência e suas histórias eram romances em potencial e assim, ela as colocava em seus contos sem o menor pudor. Esse foi o primeiro ponto de conflito entre os dois.

Um tempo depois, ele a visitou em seu dormitório na Smith e para sua surpresa, Plath se irritou ao extremo porque não teve tempo de preparar um script para a visita e as coisas fugiram ao seu controle. Observando essas atitudes de Sylvia, é notório que ela precisava de ajuda. Mas, essa ajuda só veio depois de uma tentativa de suicídio, quando ela ficou internada por algumas semanas em tratamento contra a depressão. O suicídio sempre foi uma opção real para ela, o flerte com a morte era algo até mesmo romantizado por Plath, assim como tantas outras situações desastrosas que ela tendia a ver como um conto de fadas.

Assim foram também os seus relacionamentos afetivos. Ela exigia bastante de seus parceiros, se arriscava em relações perigosas, não conhecia muitos limites e ainda assim, criava uma personagem casta e pura para vender à mãe. Segundo a jornalista Janet Malcolm, contemporânea de Plath, esse era um comportamento comum das mulheres dessa geração: esconder da família sua real personalidade para não os chocar ou mesmo não cortar os laços com as tradições familiares.

Não demorou muito para que o talento de Plath fosse notado. Ela começou a colaborar em algumas revistas da cidade, escrevendo resenhas, contos, artigos e poemas. Ao fim da universidade, ela conseguiu uma bolsa de estudos para um mestrado em Londres. Lá ela conheceu Ted Hughes, seu marido e pai de seus filhos. Os dois se casaram escondido, sem convidados e com pouco tempo de namoro. Sylvia não agradou muito à família do marido, que a considerava inferior ao “precioso Ted”.

A própria Sylvia criou uma dependência ao casamento para ser feliz. Em muitos registros de seus diários e cartas é perceptível o quanto ela apostava na relação como uma cura para todos os seus problemas. Ela fazia diversas referências à mitologia grega, colocando Ted como um Osíris, onde todos os seus ex estavam mortos, formando a figura grandiosa e genial do marido.  O título da biografia escrita por Rollyson é uma referência a essa deusa “nascida de um sonho de amor perfeito, que assim como Ísis, vaga pelo mundo juntando as partes do homem-deus que fará jus ao seu amor. O homem-deus se torna para Peregrine/ Ísis um pai, um amante e um sacerdote, prometendo o perpetuamente possível”.

Sylvia é sempre comparada com a atriz Marilyn Monroe, devido às semelhanças entre a vida das duas, principalmente em relação à fama e ao casamento. “Sylvia e Marilyn, ambas sobreviventes de tentativas de suicídio, viam seus companheiros como salvadores”. Além das semelhanças entre as duas em relação ao desejo de serem conhecidas, de fazer sucesso com a sua arte, o seu trabalho. Também se mostravam no seu auge criativo durante as maiores crises depressivas e de sofrimento.

Os estereótipos norte-americanos conformistas dos anos 1950, onde a regra era se misturar, competir o tempo todo e parecer estar sempre feliz, criaram um cenário propício ao martírio pela produtividade constante e por “acontecimentos”. São muitos exageros, desde os excessos de comidas aos Cadillacs enormes, como forma de mostrar uma opulência extravagante. Dessa forma, as duas, tanto Plath quanto Monroe foram um pouco escravizadas por essa cultura.  

Já a relação de Ted com a América é muito conflituosa. Em uma carta para sua irmã Olwyn ele diz: “A América é embrulhada em celofane, ‘crapularizada’ em comidas processadas que reflete uma carência mais geral de textura numa uniformidade suburbana ‘ilimitada’, na qual todos são amistosos de um modo jocoso, mas ninguém conhece a história familiar de ninguém”. Por esse comentário, percebemos que nem tudo eram flores para o casal Ted e Sylvia. As diferenças cultuais e a dificuldade de convivência com a família do marido foram um grande problema para ela. Ainda assim, Plath continuava mentindo para a mãe nas caras, dizendo que estava bem, que “a casa do marido era muito aconchegante e a família dele muito gentil e carinhosa”. Quando na verdade, a cunhada Olwyn não falava com Sylvia.

Talvez por causa da distância de seu país natal e de sua família, o pai se torna o ponto alto de seus poemas, ela o transformava em um herói e passa a comparar todos os homens com os quais se envolveu com essa figura estereotipada e criada por ela. “Lidar com a imagem poderosa do pai vinha se transformando numa luta shakespeariana contra a própria existência, com as reivindicações do passado atropelando o presente”. O transtorno mental dela era tão grande que  “… ela se sentava ao lado de Ted diante do tabuleiro Ouija durante o verão de 1958, um pouco acreditando estar, com efeito, em comunhão com Otto Plath, que lhe aparecia como ‘Príncipe Otto’”.

Por outro lado, a mãe era vista como uma víbora ou mesmo como uma boboca. Sylvia a culpava por todos os danos em sua vida, ora por sua passividade, ora por ter se dedicado aos filhos, ora por não ter dado um basta no pai. Ela diz que as constantes dores de estômago da mãe são os reflexos da exaustão que os filhos lhe causaram. Um misto de desprezo e ódio permeiam a relação das duas nas crises de Plath.

Muitas vezes vê Aurélia, sua mãe, como mensageira de más notícias. Ela chegou a dizer uma vez que “os homens iam embora e se divertiam; as mulheres ficavam e limpavam a sujeira”. Ela se refere ao fato do pai ter falecido e da mãe ter ficado e lhe informado o fato, como se pudesse evita-lo ou fazer alguma coisa para que isso não acontecesse. Assim, ela decidiu fazer tudo o que a mãe dizia para que não fizesse. Acreditava que ficaria livre dos estigmas de uma mulher que ela desprezava. Ela chega a dizer que a tentativa frustrada de suicídio foi uma forma de mostrar à mãe que o seu tipo de amor era inadequado.

Outro conflito para a poeta foram as recusas de suas obras por revistas, jornais e editoras. Segundo ela, “sou feita, infelizmente, para o sucesso. Acaso o sucesso me umedece a lâmina”? Ela sentia uma necessidade de ser boa, de aprovação, ao passo que extraía um prazer perverso em ser rejeitada, comparando o mercado editorial com o mundo: “ele nos rejeita”.

O comentário da própria escritora sobre o seu livro A redoma de vidro, mostra um pouco sobre o seu estado de espírito e sobre como se sentia em relação à vida: “Apenas Esther perdeu sua ambição, e o que a perturba é exatamente essa falta de aspirações. Ela não pode simplesmente ser. Tem de tornar-se algo mais, e, quando a obstinação de ser grande a abandona, ela fica sem nada”. (Sylvia sobre A redoma de vidro – 1961).

Há uma referência sinistra nos diários de Plath, onde ela conta que ela e Ted tentaram salvar um pássaro ferido e falharam miseravelmente. Assim, Ted pôs fim ao seu sofrimento matando-o com gás. Pode parecer um prenúncio do que aconteceria à poeta tempos depois. Ela, achou tudo isso muito maravilhoso e de uma beleza singular.

No verão de 1958, quando Sylvia estava no auge da depressão, sem dormir, alucinando com o pai e agindo de forma confusa, Ted parecia estar em um universo paralelo. Sua correspondência da época não se parece com a realidade dos diários da esposa. Pode ser que ele estivesse poupando Sylvia de uma exposição sem sentido, como também poderia estar absorto em seu trabalho e não estar mesmo ciente dos problemas da mulher.

Começou então uma fase de conflito na vida da poeta, quando esta quis decidir se teria ou não um filho naquele momento. Naquela época, na visão de Plath, “ter filhos nos Estados Unidos significava ceder a uma complacência acachapante”, o que para muitas mulheres contemporâneas do mundo inteiro ainda significa a mesma coisa que há quase um século atrás. Há um diálogo forte desse contexto real da vida de Sylvia com a vida compartilhada por um grupo de amigos latinos vivendo em Paris no livro O jogo da amarelinha de Julio Cortázar. No romance, o autor questiona através das atitudes dos seus personagens para a vida livre e sem compromissos em paradoxo com as responsabilidades do estilo de vida tradicional.

É notório que Sylvia e Ted viviam esse conflito o tempo todo. Plath “odiou a forma como sua tia Dot desdenhou de Ted por ele não ter um emprego nem perseguir uma carreira. Alcançar essas realizações sólidas, de classe média, significava sucumbir ao desespero que desgostava de ver na mãe. Seria melhor a ansiedade do artista do que a neurose do conformista”. Esse diálogo forte com a obra de Cortázar nos faz refletir sobre as escolhas que somos obrigados a fazer todos os dias e muitas vezes, quando ainda somos jovens demais para saber ao certo o que queremos da vida. Entretanto, quando tudo isso passa dos limites? É natural que uma pessoa de mais de 40 anos viva às custas de parentes e amigos, sem emprego e sem estabilidade? Até quando lutar por um sonho e se entregar a ele de corpo e alma?

Sylvia um dia foi reconhecida, mas Oliveira, de O jogo da amarelinha não. Suas personalidades são parecidas: os dois gostam muito de ostentar conhecimentos, referências e ridicularizar aqueles que não possuem tantos recursos ou que não tiveram as mesmas oportunidades. Além de questionarem filosoficamente a vida e as questões metafísicas. Plath foi uma grande poeta e as coisas dariam certo para ela. O problema é que ela estava doente e não conseguiu vencer o seu maior inimigo: sua própria mente. Já Horácio Oliveira é apenas um boçal, mas que compartilha com uma figura real os mesmos sentimentos de arrogância, vazio de sentido e falta de empatia.

Em momentos de ócio e depressão, a poeta se questionava se um emprego ajudaria. Além de ganhar dinheiro, poderia também extrair algum prazer do dia de trabalho. Dessa forma, partia para a escrita e transformava a ansiedade em ficção satírica. Assim nasceram A redoma de vidro e Johnny Panic e a bíblia dos sonhos, romance e conto que abordam questões sobre as doenças mentais e o medo eterno.

Sylvia nunca perdeu o hábito de usar histórias reais, de pessoas que ela conheceu para escrever seus contos e romances. Ela tinha um certo fascínio pelos aflitos e excêntricos, anotando em seu diário as conversas com os pacientes da ala psiquiátrica da clínica onde ficou e do hospital na Inglaterra quando operou o apêndice. Essas pessoas lhe despertavam compaixão.

Quando estava grávida de seu segundo filho, em 1961, Plath tentou se adaptar à vida pacata de casada. Procurou o pároco da Igreja Anglicana e começou a frequentar os cultos. Posteriormente, escreveu um conto, chamado Mothers, onde este aparece como uma das pessoas respeitadas por seu marido. Em uma carta para a amiga Márcia Brown, ela conta que a cidadezinha onde morava “era bastante feia e o pároco chato e burro”. Confessou ainda que “dera-se conta de que, para os moradores locais, ela não passava de uma curiosidade, mas eles a tratavam com carinho e generosidade”. Considerava-se exilada na Inglaterra.

No mesmo ano, ela terminou a escrita de A redoma de vidro, onde criou um alter ego seu, Esther Greenwood, que deu voz a todas as suas experiências em busca do sucesso nos anos 1950 nos Estados Unidos. Ela caracterizou seus personagens com algo que chamou de “genuinamente americano”, pessoas uniformizadas, sem alma e sem essência. Todos iguais, em busca do mesmo objetivo, vestindo Bloomingdale’s. O livro é polêmico, principalmente por conter pessoas reais descritas nele, que certamente se reconheceriam. Sylvia e a editora temiam processos judiciais, mas ela não quis alterar nada no romance.

Em 1962, um telefonema abalou as estruturas frágeis do casamento entre Ted e Sylvia. Sua raiva pela traição do marido foi transformada em poesia, em versos exagerados, utilizados como instrumentos literários. Após a separação, a poeta começou a ter dificuldades para dormir. O poema Papoulas em julho, mostra essa exaustão e busca por alívio. Alvarez, crítico e amigo do casal, diz que os escritos da autora dessa época são os melhores já feitos por ela. Esse comentário me remete à uma conversa entre Graciliano Ramos e Portinari, onde o escritor diz ao pintor que sem o sofrimento, a arte não existe. Se observarmos bem, as obras-primas foram construídas a partir de uma dor muito grande, um descontentamento, um incômodo.

A psiquiatra Beuscher foi um grande pilar para Sylvia após o divórcio. Ela tentou insistentemente mostrar à escritora que cabe aos adultos arcar com as consequências de seus atos e escolhas; que Ted não era um príncipe encantado e que existiam outas pessoas e possibilidades na vida. Beuscher gostava muito de Plath e tentou ajuda-la o máximo que pode.

Em outubro de 1962, a poeta criou uma mulher cavalgando um animal, em um misto de raiva, ódio, tristeza e melancolia. Ariel, famoso poema que faz muitas referências à morte e à sua vida pessoal, através de metáforas, se transformou em um ícone da obra da autora. Ela classifica a narradora Lady Lazarus como “a fênix, o espírito libertário, como se preferir. É também uma mulher boa, simples e repleta de recursos”.

Em fevereiro de 1963, após um inverno terrível e muitas rejeições, Sylvia serviu leite e pão para os filhos que dormiam e deixou em seus quartos. Fechou as portas, vedou a cozinha o máximo que pode, ligou o gás e colocou a cabeça no forno. Foi encontrada pela babá das crianças no dia seguinte, após ver as crianças na chorando na janela e chamar um vizinho para arrombar a porta. Talvez ela esperasse ser salva a tempo, talvez não. O fato é que um gênio se foi, vítima de sua mente.

Fontes:

CARPEAUX, O. M. As tendências contemporâneas por Carpeaux. Ed. Leya; Rio de Janeiro: 2012.

DEAN, M. Afiadas – As mulheres que fizeram da opinião uma arte. Ed. Todavia; São Paulo: 2018.

EAGLETON, T. Teoria da Literatura. Ed. Martins Fontes; São Paulo: 2019.

MALCOLM, J. A mulher calada – Sylvia Plath, Ted Hughes e os limites da biografia. Ed. Companhia das Letras; São Paulo: 2009.

ROLLYSON, C. Ísis Americana – A vida e a arte de Sylvia Plath. Ed. Bertrand; Rio de Janeiro: 2015.

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