crítica

Um jogador – Fiódor Dostoiévsky

Nem parece que esse romance de Dostoievsky foi escrito em apenas 26 dias, sob encomenda de um editor controverso, ameaçando o escritor de executar suas promissórias e lhe tomar os direitos autorais de suas obras por nove anos! Por ironia do destino, nessa época Dostô estava escrevendo Crime e castigo e seria lamentável perder os direitos sobre esse clássico por quase uma década.

Por outro lado, a pressão fez bem ao escritor. Utilizando-se de suas vivências pessoais, experiências fora do país e observações das pessoas, ele escreveu uma história breve, engraçada, irônica, crítica e bem construída. Em Um jogador (Editora 34, 2011), acompanhamos a história de Aleksey Alekseyvitch, um jovem professor, de boa família, que está dando aulas particulares para os filhos do General em uma cidade alemã chamada Roletensburgo. Esse homem vive cercado de pessoas bastante duvidosas: seus dois filhos pequenos, alunos de Aleksey, sua enteada Polina, uma condessa falida e sua filha Madame Blunch, pretendente do General, um francês que detém notas promissórias de dívidas do General e um inglês muito sério e reservado, que parece saber tudo sobre todos.

O General é sobrinho de uma senhora muito rica que está hospitalizada. Seu desejo é que ela morra o mais rápido possível para herdar sua fortuna, pagar suas dívidas, casar a enteada com o francês e poder também se casar com Madame Blunch. O problema é que a avó, Babulenka, não morreu. Mas sim apareceu em Roletensburgo para jogar na cara de todos o que pensa sobre eles, sua ganância e falta de respeito com o próximo.

Enquanto isso, o protagonista Aleksey está apaixonado por Polina, mas apesar de ser de boa família, ter estudo e não ser um servo, para o General ele não passa de um serviçal, invisível e obtuso. Naquela época, os títulos de nobreza eram muito importantes. Então, mesmo uma pessoa tendo dinheiro, se não tinha o título de uma boa linhagem, continuava sendo ninguém e não tendo valor algum perante a sociedade. Esse era o interesse do francês em se casar com Polina: ele herdaria dela o título de nobreza.

Percebendo o interesse de Aleksey por ela, Polina começa a usá-lo a seu favor. Um dia, lhe pede que vá ao cassino jogar para ela. Mesmo achando esse pedido um tanto quanto estranho, Aleksey vai até lá e ganha uma boa quantia para a amada. A relação dos dois nesse romance é bastante complexa. Existe um jogo de interesses, mentiras e intrigas acontecendo o tempo todo. Esse jogo do amor é um paralelo ao jogo no cassino, que, segundo o autor, mostra como as duas coisas escravizam o homem.

A ambientação do romance é muito bem-feita e proporciona um clima de suspense e de agilidade da narrativa. Dostoievsky aborda muito bem a questão do dinheiro na vida das pessoas, já como se fosse uma premissa para o que viria em Crime e Castigo. Ao mesmo tempo em que o dinheiro pode ser a solução dos problemas da vida, ele também pode ser o grande causador da desgraça dos homens. Esta ambiguidade está presente ao longo da narrativa, fazendo parte dessa ambientação lúgubre e sombria. Através das análises do protagonista, fica claro que o dinheiro tem o poder de destruir os relacionamentos e a sanidade das pessoas. E isso fica evidente na não-relação entre Aleksey e Polina.

A principal questão entre os dois é a condição social de cada um. Enquanto Polina é membro de uma família nobre, Aleksey não é. Ele não tem dinheiro e mesmo que o General esteja enredado em dívidas e com intenções de vender a própria enteada para saldá-las, eles continuam sendo nobres e superiores ao protagonista. Neste caso, o relacionamento dos dois se torna praticamente impossível. O dinheiro também constitui um impeditivo à relação entre o General e Madame Blunch. Este, ao ser surpreendido com a volta da avó e o não recebimento da herança, é hostilizado e humilhado pelos seus “amigos”, através de comentários jocosos e maldosos.

A avó Babulenka não deixa isso por menos. Ela resolve jogar na roleta e ao mesmo tempo em que leva o leitor a uma sensação de sufoco, quando começa a perder e jogar sem controle e sem estratégias, também o leva à reflexão sobre as pessoas que estão em volta da velha senhora e não conseguem fazê-la parar. Existem também momentos cômicos nessa parte da narrativa. A avó não mede suas palavras, fala o que pensa sobre as pessoas, muitas vezes de forma grosseira. É como se ela expressasse tudo aquilo que as pessoas pensam, mas não falam. Depois de perder bastante na roleta, ela resolve voltar para a Rússia e então é a vez de Aleksey Alekseyvitch se viciar no jogo em uma tentativa louca de se igualar a Polina e poder casar-se com ela.

Dostoievsky não poupa ninguém nesse livro. Ele coloca os russos como pessoas superiores aos demais europeus. Para ele, os russos são apaixonados, desafiadores do destino, espontâneos, honestos, puros de coração e boas pessoas. Já os franceses são materialistas, afetados e interesseiros. Os alemães são capitalistas, ambiciosos e acumuladores de dinheiro e riquezas. Os poloneses são desonestos e os ingleses são racionais e práticos demais. Essas caracterizações do autor retratam a rivalidade entre os eslavófilos e os ocidentalizantes russos.

Para quem nunca leu Dostoievsky essa é uma boa porta de entrada. O romance é coeso, bem estruturado e mostra o posicionamento, as críticas, a ironia e o estilo dostoeivskano de escrever. Apesar de ser um livro curto, ele traz muitas reflexões, uma bela construção de personagens e boa ambientação de suspense para as cenas febris e absurdas que ele propõe.

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