vida de leitor

Viagem literária por 18 países classificados para a Copa do Mundo 2022

Uma das coisas mais fascinantes da Literatura para mim é a possibilidade que ela nos traz de conhecer novas culturas através dos livros. Apesar de gostar demais de viajar, tenho consciência de que muitos lugares que tenho vontade de conhecer, ficarão apenas na vontade mesmo e por isso é muito legal poder conhecer um pouco mais sobre essas cultuas através dos livros, de seus escritores e de suas histórias, que de uma forma ou de outra, mostram a nós estrangeiros como é viver em seu país, qual a sua História, os seus hábitos, problemas, aflições e questões sociais. A leitura de países diversos nos ajuda na nossa formação como indivíduos pensantes e críticos, além de aumentar a nossa capacidade de empatia e de compreensão do outro e também despertar a nossa curiosidade em relação ao conhecimento de outras nações, de outras culturas e de viajar para ver de perto o que lemos nos livros.

Motivada pela empolgação da Copa do Mundo do Catar 2022, resolvi verificar quais dos 32 países classificados eu já tinha lido. Me surpreendi por ter lido mais da metade, 18, mas é mais da metade! E também de forma negativa, pois descobri que nunca li nenhum escritor uruguaio, nem holandês e nem japonês. Os outros países não lidos, confesso que fiquei mais tranquila em relação ao meu desconhecimento de sua literatura. Ao observar os países lidos e escolher as minhas indicações para esse post, percebi que tenho uma falha em literatura portuguesa, algo que preciso corrigir e que dos 18 países lidos, apenas três deles não li mulheres. Minha lista contém 15 autoras (o que me deixou muito feliz) e 3 autores por falta de opção, algo que também pretendo corrigir. Olhei na estante quais os países que ainda não li, mas tenho os livros e, dentre eles, estão a Holanda, o Japão, o Uruguai e a Bélgica. Assim posso corrigir minha falha e ler esses países o mais rápido possível. Portanto, vamos às indicações dos 18 países da Copa 2022 que já li e recomendo!

  • Equador : Mandíbula – Mónica Ojeda (Autêntica, 2022): Romance polifônico muito bem escrito, que conta a história de um grupo de adolescentes e sua professora de literatura. A autora explora de forma contundente e perturbadora as agruras da adolescência e as consequências de uma maternidade compulsória, que não faz bem nem para os pais e muito menos para os filhos. O livro é incômodo, provocador, mas mostra muito da realidade latino-americana e mundial.
  • Inglaterra : Middlemarch – George Eliot (Pedra Azul, 2022): Romance clássico da era vitoriana, aborda o tema do casamento e suas grandes dificuldades, principalmente quando existe uma grande expectativa em relação ao outro e que não se concretiza no dia-a-dia. É uma bela história que fala sobre uma comunidade e suas idiossincrasias, mas também fala sobre o ser humano no geral, com as suas dores, frustrações, alegrias e realizações.
  • Irã :  Persépolis – Marjane Strapi (Companhia das Letras, 2007): Quadrinho autobiográfico, onde a escritora conta a sua trajetória após o início da revolução que levou o Irã ao regime xiita, onde passou a ser obrigatório o uso do véu islâmico pelas mulheres, dentre tantas outras situações acachapantes de repressão. Marjane é fruto de uma família politizada, portanto compreendia bem o que estava acontecendo em sua nação e assim teve de fugir para a França a fim de garantir sua sobrevivência. É uma história de luta, de sofrimento e que nos mostra um pouco sobre a situação da mulher no islamismo.  
  • Estados Unidos :  A história secreta – Donna Tartt (Companhia das Letras, 2020): Romance universitário, conta a história de um grupo de amigos de estudos de grego antigo que resolvem recriar um bacanal para sentirem algum prazer transcendental. Claro que essa experiência não vai dar certo e eles terão de lidar com as consequências disso. Da autora também já li O pintassilgo e gosto bastante desses livros.
  • Argentina : O parque das irmãs magníficas – Camila Sosa Villada (Tusquets, 2021): Romance que conta a história de uma mulher trans. e suas vicissitudes ao assumir sua sexualidade, fugir de casa e sentir na pele o que é ser excluída. Com uma linguagem muito bonita, potente e sincera, a autora conta uma história de muita dor, porém de forma leve, envolvente e que gera empatia no leitor. Foi uma das melhores leituras desse ano, mostrando que a vida tem os seus desafios, mas que com coragem e determinação conseguimos alcançar os nossos espaços e o respeito das pessoas. A autora esteve na Flip no mês passado, lançando o seu novo livro, Sou uma tola por te querer.
  • México : A filha única – Guadalupe Nettel (Todavia, 2022): Romance contemporâneo que conta a história de duas amigas mexicanas que moram em Paris e não desejam ser mães. Após um tempo, já de volta ao México, uma delas muda de ideia e resolve tentar ter um filho. A autora aborda questões bastante atuais sobre as várias formas de maternidade: compulsória, por opção, rede de apoio às mães e as formas que as mulheres lidam com a maternidade, cada uma a sua maneira. A “filha única” também é vítima da onda de microcefalia, causada pelo zika vírus. É um romance que fala sobre muitos temas importantes e que nos leva a reflexões muito pontuais sobre o feminino, sobre filhos, amor e perdão.
  • Polônia: Poemas – Wislawa Szymborska (Companhia das Letras, 2011): Antologia que contém 44 poemas da escritora, no original em polonês e traduzidos para o português, conhecemos um pouco do cerne da obra dessa poetisa que busca respostas para a vida, para a consciência, para a filosofia. Szymborska é considerada uma das poetas mais interessantes do século XX justamente por escrever de forma crítica, buscando a consciência do leitor para que juntos possamos refletir sobre as questões do nosso tempo e da natureza humana. Bastante politizada e bem-humorada, a autora nos leva a pensar o mundo sob outra perspectiva. Sua poesia é complexa, ao mesmo tempo em que é instigante e que prende o leitor. Recomendo demais esse livro para vocês.
  • França : Os anos – Annie Ernaux (Fósforo, 2022): Romance sócio autobiográfico, onde a autora conta suas experiências de vida através do macroambiente. O leitor acompanha sua trajetória desde a infância com o surgimento da televisão e da sociedade de consumo, passando pela ascensão de Le Gaulle, guerra da Argélia, movimento sufragista, virada do milênio até os atentados do 11 de setembro às Torres Gêmeas nos Estados Unidos. Cada um desses fatos históricos se relaciona à vida da escritora de alguma maneira e ela vai mostrar o impacto deles dentro das famílias, na vida do cidadão comum. Ernaux foi a ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura desse ano e esteve na Flip. Da autora, já li O lugar e O acontecimento, livros dos quais também gosto muito.
  • Austrália: Pequenas grandes mentiras – Liane Moriarty (Intrínseca, 2015): Neste livro que deu origem à série homônima da HBO, temos um thriller psicológico que envolve um homicídio, mas também as complexidades da vida familiar e da vida em sociedade. Maternidade, amizades, casamento, violência contra a mulher e a rede de apoio – sororidade – são os temas desse romance considerado um best-seller, mas que nem por isso perde o seu valor textual e literário. Da autora, já li vários outros títulos como Nove desconhecidos, O que Alice esqueceu e Até que a culpa nos separe, todos ambientados na Austrália e que recomendo fortemente.
  • Espanha : A boa sorte – Rosa Montero (Todavia, 2022): Mais um romance que flerta com o gênero policial, porém de uma forma mais filosófica, que abarca a pessoa humana como experimento de uma situação complexa. Temos aqui um enredo bastante instigante de um homem rico que abandona a sua vida cheia de privilégios para viver em uma cidade fantasma no interior da Espanha. O que ele esconde? Porque fez isso? Essas são as respostas que a autora nos instiga a buscar ao longo de sua prosa envolvente e reflexiva. De Rosa Montero, já li também A ridícula ideia de nunca mais te ver que aborda o tema do luto. Recomendo muito a autora para vocês.
  • Alemanha : Os Buddenbrook – Thomas Mann (Companhia das Letras, 2016): Mais uma vez indico essa que foi uma das minhas melhores leituras de 2022, um drama familiar que conta a história da decadência de uma família aristocrática da Alemanha ao longo do século XIX. É um ótimo livro para conhecer um pouco mais sobre o país e como as coisas funcionavam por lá, principalmente a dificuldade das pessoas em aceitar as mudanças, a evolução e o progresso. Livro incrível, que traz muitas reflexões sobre a vida, a humanidade e as nossas frustrações. Do autor, já li também Doutor Fausto que é um dos meus livros favoritos da vida.
  • Canadá : Ódio, amizade, namoro, amor, casamento – Alice Munro (Biblioteca Azul, 2013): Coletânea de contos dessa autora que amo demais, conhecemos histórias de mulheres diversas, que amam, que odeiam, que vivem o seu cotidiano, marcado pelos reveses e pelas alegrias da vida. Resumir Alice Munro é difícil, porque ela aborda temas muito corriqueiros em seus textos, porém, a complexidade de seus personagens é tão grande, que precisamos tomar fôlego para seguir com a leitura. Essa é uma das minhas antologias favoritas dela e como a que mais gosto está esgotada, sempre recomendo Ódio, amizade, namoro, amor, casamento para quem quer conhecer a autora. Três contos desse livro ganharam adaptações para o cinema e eu gosto particularmente dos contos “O urso atravessou a montanha” e “Mobília de família”. Da autora, já li O amor de uma boa mulher, Amiga de juventude, Vida querida e Felicidade demais. Nem preciso dizer que recomendo todos de olhos fechados!
  • Marrocos : Canção de ninar – Leïla Slimani (Tusquets, 2018): Neste thriller psicológico conhecemos a babá Louise, profissional dedicada, sempre à disposição para cuidar das crianças. Ela passou por uma seleção rigorosa dos pais, em uma família bastante comum na sociedade moderna: uma mãe que decidiu voltar ao mercado de trabalho após um hiato na carreira dedicado à maternidade e um pai que é contra a volta da esposa ao trabalho, acreditando que a vida doméstica deve lhe bastar. Tudo vai muito bem, até que uma tragédia acontece. A autora aborda temas como maternidade, diferenças de classe, Burnout e muitos outros temas contemporâneos que precisam ser falados e observados, mostrando que a sociedade como um todo está precisando dar mais atenção às questões da mente e do espírito, deixando um pouco de lado a competitividade exacerbada e a corrida por mais dinheiro e poder. É um livro trágico, mas necessário para pensarmos a vida sob outra perspectiva. Para quem assina o Kindle Unlimited, o livro está disponível por lá.
  • Brasil : Verão no aquário – Lygia Fagundes Telles (Companhia das Letras, 2010): Neste clássico da Literatura Brasileira, conhecemos a jovem Raísa, uma moça que está tentando se encontrar, se conectar com o mundo à sua volta. Ambientado em um verão da década de 1960, fazendo uma referência forte ao título, pois Raísa se sente presa em um aquário que seria a sua própria mente e seus pensamentos, o leitor mais sagaz consegue fazer um paralelo com a situação política e econômica da época: ditadura militar, queda do poder aquisitivo da população privilegiada de São Paulo, oscilação econômica, lutas pela democracia e pelos direitos civis pelo mundo a fora, além das mudanças de paradigmas comportamentais que surgiram nessa época. A personagem luta com a perda do pai e com as constantes comparações veladas à mãe, que parece ser uma pessoa “perfeita”, que segue as regras, é bem-sucedida profissionalmente e na vida. Livro incrível, que deve ser lido por todos. Da autora já li além de contos esparsos, os livros As meninas, Ciranda de pedra e O seminário dos ratos. Recomendo todos!
  • Suíça : O enigma do quarto 622 – Joël Dicker (Intrínseca, 2021): Neste romance policial, conhecemos um escritor homônimo do autor, que investiga um crime do passado. A partir de sua corrida para desvendar os mistérios que cercam esse homicídio, ele vai descobrindo personagens complexos, cheios de idiossincrasias e segredos, que tentavam a todo custo esconder alguma coisa e ser melhores que os outros. Temos aqui um clássico do suspense moderno, com uso da metalinguagem, desenvolvimento filosófico dos personagens, enredo envolvente e um final surpreendente. Joël Dicker é um dos meus escritores contemporâneos favoritos, principalmente na categoria suspense/ romance policial. Do autor já li também A verdade sobre o caso Harry Qubert e O desaparecimento de Stephanie Meiller. Dicker aborda temas bem contemporâneos como o feminicídio, a misoginia e as Fake News. Recomendo demais o autor para vocês.
  • Portugal : Memorial do Convento – José Saramago (Companhia das Letras, 2020): Fugindo dos clichês, resolvi indicar um livro pouco falado do autor para vocês. Estudei esse livro na faculdade de Letras e o achei sensacional. Temos aqui um romance histórico, que conta sobre a construção do Palácio Nacional de Mafra, uma obra enorme, megalomaníaca, após uma promessa feita pelo rei Dom João V e que se realizou. Acontece que quem acabou pagando a promessa foram os trabalhadores que construíram esse palácio: o rei apenas pagava a conta. É neste romance que conhecemos também um dos casais mais icônicos da literatura lusitana: Baltasar e Blimunda, que fazem parte dessa construção. É um belo romance, onde aprendemos um pouco sobre a cultura portuguesa e suas peculiaridades. Do autor também li Ensaio sobre a cegueira que gosto demais e recomendo.
  • Gana : O caminho de casa Yaa Gyasi (Rocco, 2017): Neste romance conhecemos nove gerações de duas irmãs que foram separadas durante o período de escravidão: uma delas permaneceu em Gana, enquanto a outra foi sequestrada e feita escrava nos Estados Unidos. Na minha opinião, este foi o livro que li que mais me ensinou sobre o racismo estrutural e como ele se formou. Através de textos curtos, alternados entre as gerações de cada uma das irmãs, vemos como a escravidão impactou na vida de cada descendente delas, levando muitos deles à uma vida difícil e degradante. Por outro lado, a parte da família que ficou em Gana busca as suas origens e os seus ancestrais que foram raptados para a América. Há um encontro dessa família separada no final do romance, onde os descendentes podem colocar as coisas em ordem e tentar seguir em frente, deixando para trás as dores da escravidão. Livro potente, impactante e que deixa marcas profundas nos leitores.
  • Coréia : Grama – Keum Suk Gendry-Kim (Pipoca e Nanquim, 2020): HQ jornalística que conta a história de Ok-sun Lee, uma senhora que foi sequestrada e obrigada a servir como mulher de consolo ao exército japonês durante a Segunda Guerra Mundial. A história dessa mulher reverbera a de outras tantas que passaram por essas situações degradantes de perda total da dignidade da pessoa humana, sendo violentadas diariamente, muitas vezes por mais de vinte homens diferentes, independente do seu estado físico e de saúde. Mulheres como Ok-sun Lee são sobreviventes de uma atrocidade humana e que merecem todo o nosso respeito, pois passar por tudo isso e seguir em frente é impressionante! O trabalho da jornalista é muito cuidadoso e ela aborda a questão de forma que qualquer pessoa entenda, independente de conhecer ou não a cultura coreana e as vicissitudes locais. Recomendo muito os quadrinhos dela para vocês.

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